Tuesday, November 30, 2010

Cuidadores

Outro dia, estava meditando e caiu uma ficha: os homens são cuidadores por natureza. Antes que você, que está lendo, comece a concordar ou discordar de mim, gostaria de citar uma frase do Einstein: "Nenhuma pessoa realmente produtiva pensa como se estivesse escrevendo uma dissertação." Eu não pretendo, aqui, apresentar um racional porque cheguei a esta conclusão. Apenas tenho vontade de compartilhar uma compreensão existencial e não de promover um debate acadêmico. Mas a verdade (a minha a partir de agora) é que eles - os homens - são fundamentalmente cuidadores em sua essência. Isto não quer dizer que todos estejam, de fato, cuidando. Talvez alguns estejam embrutecidos, outros cansados ou ainda confusos. Mas no fundo, bem lá no fundo, o que eles querem mesmo é cuidar. Já sei que muita gente vai dizer (aliás, muitas pessoas já estão me dizendo): "ah, não, Pat, cuidar é coisa de mulher". Claro que é. Também é. Não se trata aqui de uma competição de quem cuida mais ou menos. Ou de uma briga territorial: este domínio é seu ou é meu? Todos temos este instinto: o de preservar. E, agora, finalmente (demorou!) percebi que os homens são profundamente cuidadores. Por que eu não enxergava isso antes? Porque eu apenas via o senso comum. Eu não via por trás das aparências. Porque talvez eu tenha sido condicionada para somente ler e entender certos sinais de cuidado e não fui perceptiva o bastante para ver que existem diversas formas e jeitos de cuidar. Porque fui programada para repetições e não para revoluções. Entretanto, de uns tempos para cá, comecei a prestar atenção nos sinais que estão por trás de clichês e rótulos que a sociedade impôs a vários homens (e mulheres!). Também comecei a sacar que muitos homens querem cuidar mas não sabem direito como, afinal o mundo estipulou que isso é coisa de mulher. Há de se considerar também que, muitas vezes, quando as mulheres cuidam, elas não estão cuidando de fato. Elas estão controlando. Melhor, ao invés de generalizar, vou ser honesta: percebi que, várias vezes, quando eu estava querendo cuidar de alguém, lá no fundinho, queria controlar essa pessoa. Horrível isso. O cuidado como uma arma de manipulação. Feio isso. Talvez os homens também acabem controlando quando cuidam. O controle é coisa do ego e não do gênero. Enfim, olho ao meu redor e vejo, cada vez mais, como os homens querem cuidar. Conversando com uma amiga sobre isso, ela parou, pensou e disse: "Sim! E as mulheres são transgressoras por natureza". Na minha cabeça deu eureka! Pena que estamos sendo tão pouco audaciosas e seguindo imersas em referências de uma sociedade pautada na competição e na dominação. Semana passada, conversando com a monja Heishin sobre a violência contra mulheres e homens*, refleti: a verdadeira transgressão é questionar qualquer tipo de convenção que prive homens e mulheres de mostrarem a sua verdadeira essência. Transgressão é sair destes estereótipos superficiais que apenas reforçam carapaças do tipo "os homens são egoístas e insensíveis".  Os homens são lindos. E nós, mulheres? Ah, não canso de falar: pura mágica. Que bom que tenho o prazer de conviver com homens e mulheres incríveis e não-conformistas com os quais continuamente aprendo que sempre encontramos brechas para os paradigmas existentes na sociedade. Só mais uma coisa: se você procurar enxergar racionalmente isto que eu estou dizendo, você não conseguirá ver. E muito menos sentir. Mas se um dia, todos nós enxergarmos e sentirmos isso, quem sabe, a partir daí, a essência será manifestada e o padrão irá mudar. E os homens poderão chorar abertamente e as mulheres poderão ousar livremente.

(*) Ensinamento do Dia

Monday, November 29, 2010

Orquídea Rosa, nov 10

Eu me quero sem máscaras. Sem figurino. Nua. Exposta. Eu me quero flor. Sem maquiagem. Sem efeitos especiais. Sem disfarces. Eu me quero aberta. Peito aberto. Coração aberto. Mente e olhar abertos. Céu. Sem cortinas de proteção. Descerrada. Eu me quero sem clichês, sem rótulos, sem formatos. Sem papéis definidos. Eu me quero improviso. Informulada. Sem ensaio. Eu me quero essência. Pura manifestação. Presença. Amor.

Só Dez Por Cento é Mentira



A desbiografia oficial de Manoel de Barros 

Friday, November 26, 2010

Notícias de uma Guerra Particular



Recomendo o documentário Notícias de uma Guerra Particular para entender um pouco mais sobre este combate sem trégua no Rio. Pode ser visto na íntegra no YouTube.

Thursday, November 25, 2010

Ensinamento do Dia


Hoje, a Monja Heishin e eu estávamos conversando sobre a violência contra a mulher e ela, com o seu olhar YinYang, observou: “o homem escuta desde criança que ele deve engolir o choro. Essa é uma das maiores violências que conheço”. Calei. 


Wednesday, November 24, 2010

Heróis reais

Andei pensando sobre o filme Tropa de Elite II, que eu ainda não vi. Explico: tenho refletido sobre o que as várias pessoas, que assistiram ao filme, comentaram comigo. Mais especificamente, pondero sobre um ponto: o fato de que muitas delas passaram a apontar o Capitão Nascimento como um grande herói nacional. Por um lado, como amante da arte, fico sensibilizada por constatar que o cinema é um meio mobilizador, mas por outro,  confesso que me questiono quando vejo um país ovacionando um herói fictício. Cada um tem o(s) herói(s) de mentira ou de verdade que quer. Entretanto, ouvindo todos estes relatos, eu me dei conta de que realmente prefiro os heróis brasileiros de carne e osso. Como nunca havia pensado sobre este assunto de forma mais consciente, me fiz a seguinte pergunta: quais brasileiros são os meus heróis? O primeiro que me veio à mente foi Paulo Freire. Ah, este sim é um herói! Daqueles que nós realmente precisamos para mudar este país. Ai como eu gostaria que ele virasse conversa de boteco, da mesma forma que é o Capitão Nascimento. Parece papo de intelectual? Só para os desavisados. Eu creio na revolução através da educação. Paulo Freire, sem sombra de dúvidas. Quem mais? Lembrei de Antônio Conselheiro, Zumbi, Frei Caneca, Chico Mendes. Também tentei resgatar na minha memória as heroínas brasileiras. Não conseguia me lembrar de nenhuma. Fiquei envergonhada. Fui lá no Google e coloquei: "heroínas brasileiras". Encabeçando a lista apareceu a baiana Maria Quitéria e, na seqüência, Anita Garibaldi. Aí, ufa, lembrei de Dandara, esposa do Zumbi. Admiro muito a história dela, da qual, infelizmente, não existem muitos relatos. Logo depois rememorei a também baiana Joana Angélica. Um sorriso me veio: quando criança, morei na avenida Joana Angélica em Salvador - será um sinal? ;) Passeando pela história dela e destas pessoas que acreditaram em revoluções possíveis, fiquei muito inspirada. Sei que ultimamente muita gente anda perdendo a crença nas utopias. Comigo acontece exatamente o movimento inverso. Mais e mais, acredito que precisamos de ideais revolucionários e de heróis reais. E continuar indo ao cinema, é claro!





Tuesday, November 23, 2010


O meu verso sobre a tua cama deita. Lê-me. Eu te suplico.


Nós

o seu desejo o meu
a sua vontade a minha
eu lhe embebedaria inteiro
você me sorveria?

o seu fôlego o meu
a sua ânsia a minha
eu lhe sentiria o corpo
você me desnudaria?

a sua boca a minha
o seu coração o meu
eu lhe entregaria a alma
você se renderia?

Sunday, November 21, 2010

Versos para um herói real

enquanto o herói
a sombra atravessa
e os dragões combate
a princesa dorme

quieta
faz do não fazer
o melhor
que pode ser feito e
serena dorme

com uma flor
nas mãos
ela mesma rosa
amorosa dorme

confiante
no seu herói
e no seu poder
delicada dorme

silenciosa respira
em aparente morte

ao útero rendida
dorme

Mulheres que nos enfeitiçam




“Porque tu sabes que é de poesia
Minha vida secreta. Tu sabes, Dionísio,
Que a teu lado te amando,
Antes de ser mulher sou inteira poeta.
E que o teu corpo existe porque o meu
Sempre existiu cantando. Meu corpo, Dionísio,
É que move o grande corpo teu

Quando Beatriz e Caiana te perguntarem, Dionísio,
se me amas, podes dizer que não. Pouco me importa
ser nada à tua volta, sombra, coisa esgarçada
no entendimento de tua mãe e irmã. A mim me importa,
Dionísio, o que dizes deitado ao meu ouvido
e o que tu dizes nem pode ser cantado
porque é palavra de luta e despudor.
E no meu verso se faria injúria

E no meu quarto se faz verbo de amor.”

Hilda Hilst

Friday, November 19, 2010

Caminhando e agradecendo



Gracias, Camino (julho, 2008)

Unicórnio branco


tanto tempo presa na agonia
que a tua pureza me estranha
tal pressa intensa a minha
que a tua leveza me arredia

teu passo é lento, íntegro
tua força proba, régia
teu presente o meu
agora simboliza
transmuta-me, enfim.


Monday, November 15, 2010

Turbulência

“No caso de despressurização, máscaras cairão automaticamente à sua frente. Coloque primeiro a sua. Somente auxilie pessoas com dificuldade após ter respirado normalmente. Informamos que o assento é flutuante."

desamparada em mim
desviada em mim
desmanchada em mim
desvalida, desvalida
desencontrada
desalinhada
delicada
desprotegida, desprotegida
desnutrida de ar
rarefeita
ao entardecer
tentando colocar a máscara
de oxigênio
primeiro em mim

Friday, November 12, 2010

Escutando verdades

Ele olhou para ela com aqueles olhos de quem havia tomado uma decisão definitiva e disse: "não consigo mais continuar nesta relação. Estou buscando paz e tranqüilidade, enquanto você insiste em desestabilizar o nosso fluxo. Refleti muito sobre tudo isso e cheguei à seguinte conclusão: algumas pessoas são apegadas a bens materiais. Este, evidentemente, não é o seu caso. Mas você possui um apego imenso a certos comportamentos. Você não só é muito intensa e impulsiva, como adora essa imprevisibilidade emocional que você criou para você mesma. Quando começamos a ter uma rotina um pouco mais serena, você dá um jeito de revirar tudo. Inventa mil viagens e mesmo quando está aqui em Sampa não sossega. Vive enlouquecida, metida em várias atividades. Já até perdi as contas de quantos grupos você participa  - executivas, leitura, teatro, responsabilidade social. Ah, já ia me esquecendo da sua última novidade que é o grupo de meditação. De que adianta parar uma vez por semana para meditar se você continua completamente conectada a esse turbilhão interno e externo? Você repete continuamente que não quer mais tanta movimentação, mas você não para. Nem externamente e nem internamente. Existe um caos dentro e fora de você. E sabe o quê? Ao longo desses meses, eu finalmente compreendi que você é completamente viciada nesta instabilidade emocional. Você vive  pregando o desapego, mas tem um apego desvairado à sua postura inconstante. E quer me arrastar com você nisso. Tenho a sensação de que quando começa a dar liga entre a gente, você quebra com todo e qualquer possível vínculo. Você tem uma necessidade visceral de romper com o contínuo, como se a continuidade significasse estagnação. Ah, também tem o outro lado da moeda: como você alimenta este ambiente profundamente inseguro, acaba sentindo dentro de você mesma uma grande insegurança, que lhe leva à urgência de controlar tudo aquilo que mexe com você: se controlar, me controlar, controlar os seus e os meus sentimentos. Até os acontecimentos você quer controlar. Quanta contradição! Enfim. Eu quero que você saiba que não compactuo mais com o seu vício. A vida me ensinou que o amor, inclusive o amor-próprio, necessita de muita quietude para acontecer. Precisa do tempo dos bichos, das frutas, da gestação. E você tem tanta pressa de viver, mas tanta pressa, que acaba passando pela vida sem viver de fato. Sem amar. Eu gosto de você. Gosto mesmo. Mas me diga: quando é que você vai crescer?"  Com um choro tão inevitável quanto a inevitabilidade daquele momento, ela sentiu o abraço quente dele e respondeu baixinho, quase inaudível: "Eu não sei".

Thursday, November 11, 2010

Folheando uma revista, li: "a verdadeira autoridade e poder irradiam de dentro". Parece tão fácil. Tão óbvio. Por que foi que me perdi tanto?

Almoço

Durante o almoço, ele ficou cutucando-a. Queria saber mais dela. E a cada frase ou pergunta, não perdia a oportunidade de provocá-la. Ela seguia cordial e tranqüila. Impassível apesar das sucessivas tentativas que ele fazia para acessá-la. Diante da pouca reação, ele não agüentou e resolveu ser bem direto:  “é incrível como você consegue adotar uma postura linear de frieza, como se nada sentisse. O seu distanciamento gelado é assustador para o outro. Ou, pelo menos, para mim.” Sem ter que pensar muito, ela sorriu conformada: “assustador é o mundo. Por isso me protejo atrás de uma observadora. O que eu queria mesmo era colo. Uma quentura que me derretesse. Um beijo que me desmanchasse. Queria ser tomada por um sentimento de entrega, que nunca mais me deixasse.” 

Alguém descreveu o que estou sentindo (ou Abacateiro)






Acordei hoje vendo abacate e percebi que a capacidade de conectar elementos aparentemente desconexos é a compreensão de que, no final, tudo no universo está conectado. Absolutamente tudo conectado: abacate, ar, coração,  silêncio, amor. Você não vê? Ah, querido abacateiro, "teu recolhimento é justamente/ o significado da palavra temporão" 
Obrigada, genial Gil!


Anahata Chakra - Chakra do Coração 

"Significado do Nome: "Intocado" ou "O Som não produzido" (batidas do coração).
Localização: Coração, centro energético do amor.
Emocional Equilibrado: Amor próprio e pela humanidade, verdadeira compreensão da compaixão e benevolência, aceitação, bondade, disponibilidade para o perdão, ajuda ao próximo, sabedoria, conscientização do outro, assentamento na estrutura terrena, dá consistência e vitalidade às aspirações amorosas, pacificação, fé na vida e nas pessoas.
Alimentos que estimulam o chakra: Frutas e verduras verdes (ex: abacate)
Mantra: Yam - centralizado no coração, desfazendo qualquer bloqueio na região cardíaca.
Elemento: Ar
Funções: Impulso de abraçar a sua Verdade, o Amor; reequilíbrio; altruísmo; compaixão."

Wednesday, November 10, 2010

Coisas de Deus

Ela estava em casa pensando nele, quando o celular tocou. Atendeu animada. Trocaram algumas palavras sobre a sincronicidade e ele foi logo ao ponto:
- Me diga uma coisa. Nunca lhe perguntei isso, mas agora quero saber. Esse texto que você escreveu no blog foi um recado pra mim, certo?
- (sem saber direito qual texto) Por que eu daria um recado para você através do blog ao invés de lhe falar diretamente?
- Sei lá. Você é sempre tão misteriosa.
- Eu não. Deus. Ele que começou com essa história de mistério. Sem falar nas mensagens invisíveis... na mágica...
- Lá vem você desviando.
- (Risos)
- Vai, fala aí...
- Aí.
- Você tá toda engraçadinha hoje, hein? Normalmente você usa sua máscara de séria.
- Eu sou séria. É que hoje coloquei o nariz de borracha.
- Eu já lhe conheço. Sem rodeios. Fala logo. Você escreveu isso pra mim, não foi?
- Foi.
- (Silêncio) Mesmo?
- Mesmo.
- Você falou rápido demais. Você não é assim, tão fácil. Agora tô duvidando.
- É, Deus também deixou muitas dúvidas no ar. A gente nunca sabe ao certo...
- Fala a verdade.
- Falo: tô morrendo de saudade de você. Vem pra cá? Aqui eu lhe conto...
- (Risos) Tô indo. 

Interpretação



Depoimento do Wagner Moura e da Carla Ribas sobre o Método de Preparação de Atores da Fátima Toledo.

Tuesday, November 09, 2010

Dandara

Dandara, Moçambique, set 2010.


Cada um no seu tempo. No seu ritmo. Na sua toada. Cada um na sua história, caminho, trajetória. Sentença. Destino. Missão. Cada um, cada um. Na sua pulsão. Em sua potência. No seu desejo. Libido. Cada um na sua ginga, rebolado, compasso. Cada um nos seus dilemas, no seu intelecto, na sua razão. Cada um incerto e certo. Vazio. Cheio. Cada um inteiro. O universo inteiro. Big Bang. Cada um carne e osso. Condição humana. No que pode ser. No que dá conta. No que é. Cada um singular. DNA. Subjetivo. Autoral. Cada um instinto. Bicho. Livre. Não domável. Criação. Intuição. Cada um expressão divina. Alma. Anjo e demônio. Íntegro. Cada um essencialmente inominável. Cada um vivendo cada coisa a seu tempo. Sem pular etapas. Cada um fluindo no seu fluxo. Cada um no outro de cada um. Cada outro em cada um. Cada um amor. Comunhão.


Presença


Africa, set 2010.

Queria abraçar e tornar-me só abraço,
 beijar e tornar-me inteira beijo. 
Queria, amando, ser puro amor.


Shiva diz a Devi: "Enquanto estiver sendo acariciada, doce princesa, entre no amor como numa vida eterna" 

Tradição hindu

Monday, November 08, 2010

Aula de Canto

Ele: Você canta?
Eu: Só o coração dos homens.
Ele: Ah, alma de sereia...
Eu: será que "a sereia pegou o marujo/ ou o marujo pegou a sereia..."

Recado para o Universo

Atacama, out 2010.

Me use. Estou aqui. Sou o meio. O canal. O instrumento. Tô na área.

Saturday, November 06, 2010

No dia em que...

As flores do Ale

No dia em que você me encontrar, eu queria ficar sem ruídos. Parada. Abraçada a você. Agarrada a você. Quieta. Isso. Quieta. Eu sei que eu sou confusa, que eu me fecho e me abro, que eu fico perto e distante, sem nenhum motivo, sem nenhuma explicação, sem nexo. Sim, eu faço tudo errado. Mas mesmo que eu tenha desacertado tanto, a vida inteira, no dia em que eu lhe encontrar, queria que você jogasse na minha cara o silêncio. Um perdão mudo de tudo o que eu deveria ter feito e não fiz. Ou fiz inexato. Eu sei. Nós sabemos. Eu me escondo quando deveria me mostrar, eu racionalizo quando deveria sentir, eu me tranco quando deveria me entregar. É. Mas mesmo que eu tenha sido tão imperfeita, tão falha, tão contraditória, por favor, não me questione. Não me peça justificativas. Não procure saber o porquê. Porque a verdade é que eu não sei o porquê e, quando sei, não sei de verdade. E talvez eu diga, mas fuja da essência. Ou fale, mas me exprima fragmentada. Na realidade, eu ainda não atingi o real e até me pergunto se alguma vez o real já foi expresso em mim. Por isso, mesmo com todas as minhas falhas insensatas, com todas as minhas limitações imperdoáveis, com todos os meus defeitos irreparáveis, no dia em que nos encontrarmos, eu queria apenas ficar colada ao seu coração. Quieta. Parada. Abraçada a você.

Tuesday, November 02, 2010

Sem ter que

Atacama, out 2010.

Sem ter que falar. Sem ter que fazer, fazer, fazer. Sem ter que controlar. Sem ter que pensar, refletir, ponderar, repensar. Sem ter que preencher as expectativas. Sem ter que planejar, projetar, programar. Sem ter que acordar cedo, sem ter que correr. Sem ter que competir, rivalizar, disputar, litigar. Sem ter que vencer. Sem ter que ter tarefa, dever, obrigação. Sem ter que se culpar, se cobrar, se exigir. Sem ter que ficar presa, ansiosa, confusa, sufocada. Sem ter que ficar. Sem ter que ir. Sem ter que embrutecer, se fechar, se defender. Se blindar. Sem ter que restringir, limitar, impedir, reprimir. Sem ter que medir, quantificar, rotular. Sem ter que determinar, fixar, demarcar. Sem ter que predefinir, prever, prognosticar. Sem ter que provar nada para ninguém. Sem ter que julgar. Que ser julgada.  Sem ter que ter que. Apenas respirando, existindo, sendo.

Boa pergunta

Ela se sentia muito atraída por ele. Não, atração era pouco. Ela estava completamente apaixonada. Achava-o diferente. E, ao mesmo tempo, tinha muito a ver com ela. Porém, quanto mais o sentimento escalava, mas o pânico de perder o pé da situação crescia no seu estômago. Até que ponto realmente valia a pena se envolver? Estava, de novo, refletindo sobre isso, quando o telefone tocou. Era ele: "acabei de ler o seu e-mail. É de cortar o coração ver os subterfúgios que você utiliza. De ver você se boicotando. Tantas figuras de linguagem, tanta coisa dita sem dizer coisa alguma. Às vezes, tenho a sensação de que você não possui amor próprio, que você não se quer o bastante. Por isso, fica todo o tempo tentando manobrar o meu sentimento para que o meu amor por você compense a falta de amor por você mesma. Você não percebe que a sua tentativa de não envolvimento e manipulação impede um vínculo entre nós dois? Você ainda não se deu conta de que um relacionamento entre duas pessoas que se gostam não é uma competição pelo poder? Fala pra mim, do que você tem medo? Quem foi que meteu na sua cabeça que amar é perigoso?" Acuada, ela ficou muda. Até queria dizer algo, mas a resposta não vinha. E quando o desconforto ficou maior que o silêncio, ele declarou: "vou aí." E desligou.

Monday, November 01, 2010

Ressurreição


Ilha de Moçambique, set 2010.

Você já se sentiu assim?
Com o coração exaurido e exausto
de tanto carregar um peso já morto
que insiste em não morrer?

Num cansaço tão profundo
que a cabeça tomba e parece
que o corpo vai desfalecer?

Você já sentiu isso?
Que o fim poderia ser o começo
mas mesmo assim
você insiste em não se render?

Continua refletindo e pensando
como deve fazer
ao invés de simplesmente
aceitar e ceder?

Você já sentiu?