Saturday, March 30, 2013


Quero a minha parte em dignidade, criação e alegria de viver. 

Friday, March 29, 2013

A arte do encontro



Por volta do meio-dia, estava na praça da Vila do Vale do Capão, quando um desconhecido me viu e caminhou na minha direção. Neste dia, o local estava com um movimento grande de pessoas.

Desconhecido: Nos conocíamos de antes?
Balancei a cabeça negativamente, visivelmente emocionada.
Desconhecido: Es que me parece un deja vù.
Pat: Preciso segurar a sua mão para poder lhe dizer isso: muito obrigada! Você me viu! Você pode imaginar a alegria que eu estou sentindo? Agora eu existo!
Desconhecido: Estás bien?
Pat: Eu não sou louca. Sei que está parecendo, mas não sou.
Desconhecido: Non, yo pensé que te conocía...
Pat: Deixa eu lhe explicar. Durante quase 30 dias, fiquei num chalé no alto da montanha, meditando sozinha, sem ouvir música, ler, escrever, acessar a internet, usar o celular ou conversar com pessoas. Hoje, pela primeira vez, resolvi sair para dar uma volta na vila.
Desconhecido: En serio?
Pat: Sim. A minha cabeça flutuava que nem um balão inflado com gás hélio preso apenas a um fio de nylon. Ficava balançando de lá pra cá e daqui pra lá. Estava tão solta, que tive que segurá-la com as mãos para que parasse quieta no pescoço.

Ele me olhava com curiosidade.

Pat: Comecei a andar pela rua, na esperança de que alguma energia chegasse na parte de cima do meu corpo. Dei uma volta ao redor da igreja e, olhando para as pessoas que passavam por mim, tive a sensação de que ninguém me via. Percebi que eu tinha me tornado invisível. Foi aterrorizante. Tive medo de ficar assim para o resto da vida.
Desconhecido: Non te entiendo.
Pat: Juro que não usei droga nenhuma, não bebi álcool, não fumei, não tomei Daime. Nada, nada, foi só oxigênio.

Ainda desordenada, senti as lágrimas rolarem no meu rosto. Abracei o meu mais novo velho amigo de infância.

Pat:. Estava me sentindo inexistente no meio das pessoas e você me enxergou.
Desconhecido: También para mi fue un poco raro.
Pat: Sei que dizendo isso parece que eu tenho um parafuso a menos, mas acredite, sou uma pessoa íntegra e de bom coração. Acho que meditei demais.
Desconhecido: Qué tal una cerveja?

Odeio cerveja, mas os paradoxos da vida se revelam em momentos de pânico. Aceitei o convite com alegria. Enquanto caminhávamos na direção do bar, ele começou a me fazer perguntas:

Desconhecido: Por que resolviste meditar por tanto tiempo?
Pat: Eu não sei. Melhor, sei, mas acho que é uma história um pouco longa para explicar.
Desconhecido: Segura?
Pat: Vou tentar, caso contrário você não vai acreditar que eu sou normal. No ano passado, fiquei dez dias em silêncio absoluto num retiro chamado Vipassana, já ouviu falar?

Negou.

Pat: Bem, dizem que foi a técnica que o Buda utilizou para se iluminar. Mas não fiz isso para me iluminar, de jeito nenhum. Só achei que se viesse sozinha para cá e ficasse em silêncio por um período ainda mais longo, seria bom pra mim. Fantasiei que, por alguma intervenção divina, poderia acessar a minha missão de vida. Eu tenho esse sonho... ou tinha. Agora nem sei mais. Estou desiludida.
Desconhecido: Pero ha valido la pena?
Pat: Nao sei. Talvez este seja o começo de uma vida real.

A essa altura, já estávamos no boteco Flamboyant, ao lado de um supermercado homônimo.

Pat: Me conte de você.
Desconhecido: Voy a coger la cerveza.

Ele voltou e encheu o meu copo. Saboreei um gole e olhando maravilhada para o líquido amarelado, disse alto:

Pat: Cerveja. Cerve-ja. Cer-ve-ja.

Mesa, cadeira, copo, cerveja. Era como se estivesse vivenciando cada objeto pela primeira vez. Será que eu renasci? Será que foi este o resultado da minha meditação? Estou num mundo novo e admirável?

Bebi a cerveja devagar. Voltei a olhar para aquela pessoa generosa. Quanta beleza havia nele. Era comovente:

Pat: Que pessoa bonita que você é.
Desconhecido: Gracias. Tu en que trabajas?
Pat: Trabalhava como executiva em uma empresa, mas resolvi largar tudo, há um tempo atrás.
Desconhecido: Dónde hás trabajado?
Pat: No Google.
Desconhecido: En Estados Unidos?
Pat: Em São Paulo.
Desconhecido: Y qué haces ahora?
Pat: Estou aprendendo a não fazer nada.
Desconhecido (rindo): Y estas indo bién?
Pat: Mais ou menos. As distrações me desviam do foco.

Peguei o seu chapéu preto, estilo cowboy, que estava em cima da mesa de metal e coloquei na minha cabeça. Senti o peso do feltro. Um limite concreto. Um alento.

Pat: O meu nome é Patrícia. Como você se chama? De onde você é?
Desconhecido: Me llamo Salvador. Salvador Dali. Soy espanol, de Cataluna, pero vivo en Madrid. He venido al Vale do Capon a buscar inspiración.
Pat: Veio ao lugar certo. Você faz o quê?
Salvador Dali: A los seis años quería ser cocinero. A los siete, Napoleón. Mi ambición no ha hecho más que crecer; ahora sólo quiero ser Salvador Dalí y nada más. Por otra parte, esto es muy difícil, ya que, a medida que me acerco a Salvador Dalí, él se aleja de mi.
Pat (risos): Uma contradição diária.
Salvador Dali:  Que crea vida.
Sorri.
Pat: Mas, então você entendeu quando eu disse que estou aprendendo a não fazer nada.
Salvador Dali: Si, por supuesto. Pero pienso que el tiempo es una de las pocas cosas importantes que nos quedan.
Pat: O tempo e o silêncio. Geradores de estrelas.
Salvador Dali: Tan poco de lo que puede ocurrir, ocurre.
Suspirei.
Pat:  Você está viajando sozinho?
Salvador Dali: Nunca estoy solo. Tengo la costumbre de estar siempre con Salvador Dalí. Créame, eso es una fiesta permanente.
Rimos os dois.

Salvador me contou longamente sobre a sua vida, suas viagens exóticas e suas incursões em processos inconscientes. Disse-me que era pintor, mas que adorava escrever. Revelou que passava grande parte do seu tempo captando as diferentes dimensões da realidade e que um dos objetivos da sua visita àquela região era participar das práticas xamânicas e beber ayuasca.
 
Enquanto conversávamos, um frisson inusitado me aconteceu: olhei nos olhos dele e me vi inteira dentro de sua íris. Não estou utilizando aquela boa, mas batida metáfora do espelho. Estou relatando uma experiência verídica. Só quem já passou por isso, vai conseguir acreditar em mim. Um estado puro de atenção que lhe transporta para uma abertura plena. Via o outro e no outro, me via. Era sutil, quem sabe até, metafísico, mas real. Eu estava dentro dos olhos de Salvador Dali.

Dizem que o ruim é o excesso do bom. O que era transcendente, virou opressivo. Como são afrontativos os olhos que, sem trégua, mostram quem você é! Busquei ao meu redor um olhar que pudesse fundir com o meu. Sem sucesso. O incômodo foi crescendo, na mesma proporção em que recobrava o juízo critico: já conhecia aquele bar, a cerveja era amarga e a prática meditativa não contempla objetivos. Mas sim, a minha cabeça continuava se movimentando involuntariamente e Salvador Dali era, de fato, um ser autêntico e simpático. Entretanto, por mais divertido que ele fosse, ver a minha sombra em seus olhos ligeiramente arregalados me trazia um desconforto que eu não estava mais conseguindo suportar.

Pat: Acho que vou indo.
Salvador Dali: Quedate más un poco. Ya comiste? Me gustaría pedir unas coxinhas. Son ricas. En Espana no hay.
Pat: Obrigada, você é muito gentil,  mas preciso ir.
Salvador Dali: Por que?

Expliquei para ele a experiência do meu corpo dentro do seu olhar. Ele, evidentemente, não sentiu, nem de longe, o mesmo, mas adorou o que denominou de alucinação projetiva.

Pat: Agora vou mesmo.
Salvador Dali: Me quedo hasta domingo. Si quieres, podemos hacer unas sendas.  Eres bienvenida.

Agradeci, tirei o chapéu e me despedi, anotando o meu e-mail em sua agenda.

Fui me afastando lentamente, enquanto tentava conectar a experiência com o nome dele. Terá sido um sinal? Qual? Não! Chega de achar que todos os encontros estão plasmados no inconsciente coletivo e que possuem um significado oculto. Um encontro é apenas um encontro. Um acontecimento fortuito entre duas pessoas e sem razão secreta. Tomei uma cerveja com Salva-dor D-ali. Foi só isso.


Wednesday, March 27, 2013

Caritó


Dizem as boas línguas - as que querem me desencalhar - que eu sou uma mulher exigente. Afirmam benignamente que chove na minha horta e que eu faço pouco caso. Quem dera fosse! A verdade é que esta declaração bem intencionada não corresponde à realidade. Sendo assim, resolvi, de uma vez por todas, clarificar o caso.

Fato é que, num mundo onde as pessoas elaboram um chek-list interminável para a escolha de seus parceiros, da minha parte, tenho um só critério para me interessar por alguém: ele tem que saber assoviar e chupar cana.

Segundo amigos mais chegados e preocupados com o meu destino, o meu pedido é raro, quase exótico. Concordo. É uma solicitação realmente incomum, sendo este exatamente o meu ponto: incomum não é o mesmo que exigente. Sei que estou buscando uma pessoa distinta e que a probabilidade de eu cruzar com um homem que desenvolveu, ao longo de sua vida, esta notável capacidade, não é lá muito grande. Tenho esse risco em conta.

Pois bem, esclarecido este engano, gostaria de explicar uma outra hipótese que considero mais pertinente do que as anteriores. Talvez o x da minha solteirice não esteja nem na minha suposta exigência e nem no meu critério singular, mas sim, em mim mesma. Admito com franqueza que não tenho muito ou quase nada a oferecer a este companheiro promissor e habilidoso. Fora cozinhar de bom grado, a minha única contrapartida por ele generosamente compartilhar comigo a arte do assovio com a cana, será ensiná-lo a rodar a baiana. Sei que é pouco, diante de sua destreza, mas confio na alma humana e nos homens altruístas e de caráter nobre. Tenho fé que, um dia, um assoviador de boa índole, irá se identificar com o meu caso, mesmo sendo eu uma pessoa com  qualidades restritas e dada a defeitos irreparáveis. Acredito até que ele ficará feliz em me conhecer, uma vez que irei honrar, com fervor, a sua dedicação voluntariosa ao seu genial talento, tantas vezes incompreendido pela sociedade.

Bem, é isso. Enquanto este encontro não ocorre, continuo sossegada por aqui. Espero ter elucidado o equívoco que me ronda e agradeço de coração a todos que continuam empenhando velas e rezas para que este milagre aconteça. 

Tuesday, March 26, 2013

Não vejo a hora


"Mas chega o dia quando as demandas dos mortos também são satisfeitas." Jung, Livro Vermelho.

"Os demônios não desgrudaram de Inana"


No inferno, não há dentro, nem fora, em cima ou embaixo. Não há raso, profundo, estreito, largo. Nem verso, reverso, inverso. Aflições é o que há. Uma vontade intensa rogando pelo além e uma voz opressora repetindo: não.

Wednesday, March 20, 2013

Ponto para Exu





“Coitada da mulher que cai
No canto de Exu
Sonhadora!
Coitada da mulher que vai
Atrás de mandinga de amor.”

Nestes últimos anos, ninguém buliu tanto comigo quanto Exu. E olha que baixou foi coisa aqui no meu congá. Deu Ogum, Oxossi, Xangô. Mas que nem Exu, ah nega, que nem Exu não tem.  Pelejei noites a fio com o sabido e ainda não sei se foi por uma causa nobre ou vã. Deus há um dia de me revelar. Mas fato é que perdi as contas de quantas vezes esse provocador me tirou do sério. Sombra minha, espelho meu, inconsciente de todos nós. Exu, sai daí danado! Claro, Exu nunca saiu. Por obra do destino, ou por desatino meu, continuou me mostrando os embaraços no que em mim se pode chamar de estranheza humana.

Felizmente sempre tive cabeça boa e forte para as intempéries desta sociedade desgovernada. Mesmo assim, não foi suficiente para teimar contra Exu. Verdade seja dita: irremediável foi o dia em que nos cruzamos. As más línguas martelam que ele é o diabo em forma de gente, mas isso é coisa de quem não alcança as sutilezas entre o céu e a terra. O rei das contradições é um conhecedor nato do mistério que insistimos em maltratar e até esconder. A sua força é vigorosa e, se for rejeitado, acredite, retorna só para se vingar.

Perdi muitas noites bolando planos infalíveis que me protegessem dos seus poderes sobrenaturais. Valei-me, nosso Senhor! Livrai-me de Exu! Acendi vela, orei para os santos de todas as religiões. Que nada! No outro dia, Exu me mandava torpedo, futucava no meu blog, prometia união eterna. E o pecado voltava a percorrer o meu corpo. Esquecia de todas as suas peraltices e me rendia ao paladar doce de sua palavra.

Apesar da nossa convivência tumultuada, preciso confessar: em todos esses anos, o que teria sido de mim sem Exu? Um psicólogo das almas, um intelectual do povo, um ativista revolucionário. E para quem pensa que ele só se ocupa do profano, redondamente se engana. Exu é um profundo entendedor das letras e fez questão de se  doutorar na PUC, que é universidade com verve gauche.

Uma amiga de longa data me confidenciou: "Pomba-gira, Exu ama você". Não acreditei. Exu é festeiro e não se prende a ninguém. E se comigo se encantou, pior para a minha pessoa, pois quanto mais ele ama, mais faz o outro sofrer. Duvida? Eu tenho provas.

Certa feita, chamei Exu para jantar aqui em casa. Ele trouxe flores, vinho, juras de amor. Êta dia feliz! Fiz uma comida daquelas e ele se fartou:  fricassé de soja, batatas gratinadas, salada. Sim, pasme, Exu é vegetariano e aprecia cozinha refinada. No outro dia, entretanto, não se fez de rogado. Desapareceu sem deixar pista e nem rastro. Meses depois, voltou sorrateiro, alegando uma viagem súbita a terras sábias e desconhecidas. Fora estudar segredos com Don Juan e Castaneda.  Colocou inveja e saudade nos que ficaram. Em mim, que dele se faltou.

Sobre seus movimentos, há sempre muitas histórias, pois se tem uma coisa que Exu gosta é de circular no mundo, ir sem prenúncio e voltar sem aviso. Até no Japão, o irrequieto já morou! Alguns contam que se deu bem com a religião oriental, amancebando candomblé com budismo.  Já se viu tamanha artimanha? É que ele dá nó em pingo d’água, juntando o que ninguém junta, mesmo que separe depois.

De volta ao Brasil e aos estudos acadêmicos, se engraçou com a cabocla Jurema. Aí o caldo engrossou. Lembro bem da divina. Andava nua e altiva, sem nada para esconder. Mulher de espírito livre, centrada, pisava firme e macio no chão de um jeito que, mesmo o cimento, parecia terra batida. Exu gastou foi latim com a moça, mas não tinha discurso de direita ou de esquerda que pudesse catequizar a danada. 

Na época, tive ciúmes da índia, por se manter no eixo e resistir de forma valente ao sacolejo de Exu. Porém, reconheço humildemente que nasci na Bahia, com defeitos inalienáveis de fabricação. Um bom molejo sempre me pegou de jeito e a magia certeira comumente me atingiu.

Ouvi relato de fonte segura, que Exu mandou enterrar a minha calcinha na praia de Itapuã. Já fiz busca minuciosa na areia, promessa para Iemanjá, mas nada dessa bendita aparecer. Foi trabalho de caso pensado, feito com astúcia ao entardecer e sob a orientação do Pai Pablo, um baiano-argentino, que realiza ajuntamentos espirituais tão emaranhados que nem ebó desamarra.

Depois de anos labutando com Exu, acendendo incenso de fedegoso, tomando banhos fortes de descarrego e orando para oxalá, aceitei que é impossível estabelecer regras de sacudimento com esse homem. Exu gosta mesmo é de operar na imprevisibilidade.

Ah, mas um colo, um dengo, um cafuné, isso sim funciona bem. Só mesmo esse tipo de mandinga para suavizar o Mestre da Transformação. Contudo não pensem que aprendi esse feitiço sozinha. Essa sabedoria me foi ensinada pela Dona Maria Quitéria, uma senhora velha e digna, que me viu rezando aflita na Igreja do Bonfim e prontamente me aconselhou: paciência, minha filha. Muita paciência com Exu.


Tuesday, March 19, 2013

O meu rompimento com o Osho


Três semanas atrás, resolvi dar um ponto final no meu relacionamento de quase cinco anos com o Osho. Liguei para ele e tivemos a conversa que reproduzo abaixo.

Pat: Nem sei direito como lhe dizer isso, mas andei pensando e preciso de um tempo. Estou sentindo que a nossa relação está muito desgastada.
Osho: Mas acabamos de voltar do nosso retiro sagrado no Alto Paraíso e tudo parecia tão bem.
Pat: Mais ou menos. Foi intenso demais pra mim. 
Osho: Você ergueu em torno de si a muralha da China. Agora ela está desmoronando. Aceite.
Pat: Esse é o problema. Difícil dialogar com você. Sempre um sutra, uma parábola. Não há namoro que resista. É muita teoria.
Osho: Darling, a nossa energia tântrica está transbordando. Precisamos deixar que ela flua naturalmente através do cosmos.
Pat: É disso que eu estou falando! Não sinto que as coisas estão fluindo entre a genteElas estão desmoronando, que nem o muro de Berlim.
Osho: Você está distorcendo o que eu disse e usando contra mim?
Pat: De jeito nenhum. Eu não sou assim.
Osho: Você é mulher e as mulheres gostam de modificar os fatos a seu favor.
Pat: Mero clichê! E você sabe que nas outras encarnações eu já fui homem...
Osho: Quem é o cara?
Pat: Como assim? 
Osho: Com certeza tem outra pessoa na parada.
Pat: Bem, como você vai acabar descobrindo mesmo, acho melhor eu lhe contar: o Woody.
Osho: Que Woody?
Pat: Allen
Osho: Pensei que esses tipos intelectuais não tivessem mais nada a ver com você.
Pat: Ele me abriu os olhos. Fomos jantar e ele me disse que concorda que a realidade é chata, mas que é o único lugar onde é possível comer uma pizza. Isso me fez refletir.
Osho: Uma pessoa inteligente irá começar a sua busca a partir de seu ser interior e não na pizzaria mais próxima. 
Pat: Oshinho, entenda, entrei numa fase menos introspectiva, mais pragmática. Quero focar no teatro, quem sabe me aventurar no cinema, escrever uns roteiros. O Woody está me incentivando muito.
Osho: Eu esperava qualquer coisa de você, menos que você fosse uma mulher oportunista.
Pat:  Estou apaixonada pelo Woody. É amor.
Osho: Você já transou com ele?
Pat: Não vamos desviar do tema central da conversa.
E pimba! Osho bateu o telefone na minha cara. Balancei a cabeça e me ocorreu uma espécie de iluminação: homem é homem.

Algumas horas depois, o telefone soou de novo. Era ele:

Osho: Estávamos planejando viver juntos na comunidade.
Pat: Muito mais por sua causa. Você sabe que eu não curto ecovilla. Tudo bem que está na moda, mas para mim parece cidade do interior. Todo mundo fica se inteirando da vida de todo mundo.
Osho: Você queria se tornar uma sannyasin, trocar o seu nome para Ashni - a que foi abençoada.
Pat: Então, este era outro assunto que eu já queria conversar com você, mas estava meio sem jeito.  Eu adoro o meu nome. É forte, sonoro. Não pretendo mudar. Sem falar que ninguém entende direito esses nomes indianos, você repete várias vezes e as pessoas continuam franzindo a testa. Acho lindo nos outros, mas sinto que fui abençoada desde me nomearam Patrícia.
Osho: É importante declarar que o  antigo morreu e que aquela que está presente já não é mais a mesma.
Pat: Querido, compreenda, acabou. Foram cinco anos maravilhosos, agradeço por você ter me ajudado a me tornar uma mulher mais madura e consciente. Sei que a nossa separação é difícil para você, mas espero que possamos ser amig...
E, pela segunda vez, ele bateu o telefone na minha cara.

Respirei fundo. É o que já sabemos: na prática, a teoria é outra. Ficar meditando no meio do mato é fácil. Difícil mesmo é meditar em São Paulo, com enchente, semáforo quebrado, na hora do rush. Não resisti e liguei de volta para ele. Assim que atendeu, falei:

Pat: Não tenho mais que agüentar a sua rebeldia! E, em tempo recorde, bati o telefone na cara dele, feliz da vida. Tirei o telefone do gancho, desliguei o celular e fui para o meu quarto, decidida a praticar uma das técnicas de meditação que aprendi ao longo desses anos e que, na minha modesta opinião, é uma das mais eficientes de toda a história da humanidade. Um método simples chamado f**da-se. Como sempre, não exigiu muita concentração e deu um resultado pré-nirvânico.

Depois desse dia, nunca mais tive notícias dele, nem pelo Facebook. Entretanto, a minha intuição feminina me diz  que os seus ensinamentos podem dar um ótimo roteiro para um filme. Agora só preciso convencer o Woody.

Thursday, March 14, 2013

in: sustentável leveza do ser


Milan, eu sei que você já tem uma opinião formada sobre esse assunto, mas eu continuo me perguntando se podemos ser nós mesmos quando há platéia. 

Wednesday, March 13, 2013

Bailarina


Perguntei ao rio que dança no corpo:  onde irás desaguar? Ele me respondeu: desaguar pra quê, se descanso bailando? Quem cansa dançando é a bailarina de corda. Esta sim, coitada, passa o tempo todo sendo girada apenas para divertir os outros. Triste vida essa, a da boneca mecânica.

Tuesday, March 12, 2013


Se o silêncio falasse na mesma freqüência dos ruídos, não seria possível escutá-lo.

Friday, March 08, 2013

Deus é um grande piadista


Vale do Capão, janeiro de 2013.

Quando num belo momento me dei conta de que Deus está, o tempo todo, tirando sarro da minha cara, passei vários dias seguidos rindo. Literalmente. Na verdade, não ri porque Deus é um cara gozador, mas sim porque cheguei à conclusão óbvia de que eu sou uma grandessíssima tola. É claro que Deus não veio para mim e disse: Pat, lamento lhe dar essa notícia, mas a verdade é que você é uma tonta, uma anã de jardim. Claro que não foi assim. Deus é um cara engenhoso, acredite. Um professor que jamais dá o peixe. Ele fornece as pistas e deixa que você chegue à conclusão sozinho. Saca caça ao tesouro? Foi desse jeito que ele fez comigo. Qual é o filme, Imagem&Ação, trivia, quiz show, conhece? Pois foi dessa maneira que ele conduziu esse meu aprendizado. Sabe coach, que continuamente responde perguntando? Isso mesmo. Parecia que eu estava no show do Silvio Santos: uma nota musical, qual é a música? E eu, CDF que sempre fui (inutilmente, é claro), ia me esforçando tenazmente para decifrar os enigmas que Deus ia me colocando. Não me pergunte quantos dias passei neste cenário de Slumdog Millionaire. Com certeza mais do que três e provavelmente menos do que sete. Não só levando o quiz a sério, como me levando muito a sério. A cada nível que eu ia avançando neste "game”, ia dizendo para mim mesma: Pat, como você é boa nisso. Incrível. Se alguém lhe visse agora, decifrando com tanta diligência e presteza os enigmas do universo, seria capaz de dizer que você é mesmo brilhante. Dias e dias nisso. E por que tanto empenho? Porque acreditei que, de alguma forma, iria obter a "chave" decodificadora dos mistérios. Ambiciosa, eu? Sei lá, na hora tive a sensação de que eu poderia ter sido “a escolhida”. A gente fica assistindo aos filmes hollywoodianos e acaba fantasiando essas histórias descabidas: “The Chosen”. Eu mesma não posso acreditar que eu tenha me rendido à soberba tão facilmente. Mas sim. Ou não. Talvez tenha sido falta do que fazer, afinal, 30 dias sozinha dá pano para manga. Ou quem sabe tenha sido a ingenuidade de que eu poderia me libertar do sufocante labirinto. Enfim, quando estamos ativos no jogo, muitas vezes esquecemos  o motivo pelo qual  entramos nele. Pois bem, dias a fio nesse desafio esfíngico com Deus. Quando achei que estava chegando na resposta final, quando já estava prestes a gritar Gooool, adivinha? Isso mesmo. Habilmente Deus voltou para a primeiríssima pergunta, me mostrando que a resposta que eu havia dado tinha perdido o sentido e que era necessário achar um argumento novo para o mesmo questionamento. Lembra daquela carta que havia em alguns jogos de tabuleiro? Volte para a casa de origem e fique lá durante duas rodadas. Comecei a discutir com Ele: como? Não, Senhor. A minha primeira resposta estava certa sim, continua certa e foi por isso que desencadeou todo um raciocínio lógico consistente. Quando mencionei essas duas últimas palavras, finalmente cai em mim: tinha sido enganada. E o pior de tudo: por Deus. Aí uma caixa colorida e gigantesca se abriu na minha frente e, de lá de dentro, saiu o Saci Pererê pulando. Ou um palhaço, se vocês preferirem. Ou o Coringa, o Zé Pelintra, o sorriso do gato de Alice. Gargalhando, retruquei: Deus, você é um trickster! Um menino peralta e travesso que adora ter uma amiguinha para brincar! Você me pregou uma peça com seus enigmas! Você me fez correr atrás do meu próprio rabo e eu cai nessa! Seu maluco, o que você quer é se divertir criando charadas. É tudo uma grande piada. Nossa, como eu sou besta. Não existe chave, talvez nem exista mistério. Eu sou uma boba, sempre compenetrada atrás de respostas. E continuei gargalhando profundamente por horas, ouvindo, ao meu lado, a risada inequívoca de Deus.

Thursday, March 07, 2013

Exu


Eu não brinco com Exu porque Exu não é de se brincar. Taí um cara danado, atrevido e invocado. Quando baixa, dá uma canseira na gente, um medo de se pelar. Ele manda e desmanda, grudando que nem breu. Dizem que pode ser bonzinho, mas pra mim isso é coisa que só se fala, nunca se viu. Sendo assim, aí vai o meu conselho, menino: não brinque com Exu porque Exu não é de se brincar. Quem com o grande fogo mexe, já viu, é mexido inteiro, sem entendimento da sentença e sem ocasião para misericórdia. 

Saturday, March 02, 2013

Meditando no Vale do Capão - Parte III


Vale do Capão, janeiro de 2013.

Quando eu acordei no outro dia, já eram 2 horas da tarde. Abri os olhos, rezando para que o tal agente superior que havia se instalado na minha mente tivesse mesmo ido embora. Corri o chalé com os olhos. Esperei. Será verdade? Ele desistiu de mim? Saltei da cama gargalhando, gritando, dançando: livre, livre, livre. Parei de novo e mais uma vez olhei ao redor. Fechei os olhos. Agucei a escuta. Esperei. Era verdade, finalmente aquele desastre quântico havia terminado. Pulei várias vezes. Comemorei. Agradeci: obrigada, meu Deus, eu não fiquei louca. Parei de novo. Sentei na cama: Pat, você, como sempre, impulsiva. Sem comemorações antecipadas. E se ele voltar? Fiquei séria e senti minha barriga roncar. Poderia cozinhar para passar o tempo, se eu não estivesse morrendo de fome. Tomei uma decisão ousada: sair do chalé e comer num restaurante minúsculo que ficava relativamente perto, cerca de 800 metros. Coloquei a roupa e sai. 

Comecei a andar pela rua de terra e percebi como estava fraca. Quando cheguei ao restaurante, me senti exausta. Puxei a cadeira totalmente sem força. A dona do restaurante, que também era a atendente, veio ao meu encontro. Tão logo ela me disse boa tarde, perguntei para ela: que dia é hoje? A data, você quer saber? Também, mas preciso mesmo saber qual o dia da semana. Ela me olhou meio desconfiada. Terça-feira,  29, respondeu. Agradeci, sem saber direito o que fazer com essa informação, já que não conseguia me lembrar ao certo quando tinha sido a última vez em que eu tinha saído do chalé para dar uma volta, mesmo sem interagir com ninguém. Tem PF? Perguntei. Tem sim, carne do sol ou frango? Carne do sol, retruquei.

Enquanto esperava pela comida, percebi que havia mais alguém no restaurante, um homem de uns 35 anos. Baixei a cabeça rapidamente, com receio de que ele puxasse conversa comigo. Estava tão exausta que a última coisa que me apetecia naquele momento era que alguém quisesse ficar de papo furado comigo. Tentei olhar para qualquer lugar, menos para ele. Como o ambiente era pequeno, em algum momento, os nossos olhares acabaram se cruzando. Percebi que ele estava tão exausto quanto eu: seus ombros estavam caídos e seu corpo envergado, dando a entender que ele havia retornado de uma longa caminhada. Tinha uma aparência simpática e segurava a carteira nas mãos pensativo. Ficamos aliviados os dois, era explícito que nenhum de nós estava com vontade de estabelecer uma cordialidade protocolar.  Em pouco tempo, a dona apareceu com o troco e ele foi embora.

A comida chegou, dei duas garfadas e perdi a fome. Estava uma delícia, mas o meu estômago parecia embrulhado. Fiquei enrolando que nem criança e, no final, deixei mais da metade no prato. Pedi um suco de mangaba para compensar a falta de apetite. Bebi quase todo o suco que estava na jarra e fui embora, ainda mais cansada do que antes.

Abri a porta do chalé sem saber muito o que fazer. Na verdade, eu sabia, queria deitar de novo, mas eu tinha acabado de acordar e se eu dormisse durante o dia, poderia ter insônia à noite. Enquanto eu refletia sobre o meu cansaço, ouvi uma voz nítida, como se fosse a voz da minha consciência. Ela me disse claramente: "tome um banho, se arrume e vá para a Vila. Esse homem que você acabou de ver no restaurante é a sua alma gêmea. Ele está esperando por você lá no banco da praça.“ Sorri. Era tão cristalina a voz que não havia espaço para dúvidas. Agradeci todo o processo que eu havia vivenciado durante aquele mês e comecei a caminhar  na direção do banheiro. Em alguns poucos segundos, algo maior me deteve: eu mesma. Por mais louca que eu estivesse para conhecer o homem da minha vida, senti que não parecia correto comigo seguir aquele sinal. Melhor: não era compassivo com o meu corpo me cansar ainda mais. Eu estava caindo pelas tabelas, sem força nem para me manter em pé ou tomar banho, quanto mais andar um quilômetro até a Vila para conhecer alguém. Em alto e bom som, respondi para a suposta voz da minha consciência: olha só, não vou fazer isso com o meu corpo, ele não merece. O que ele precisa agora é descansar, ao invés de se exaurir em algum tipo de atividade. Se esse cara for mesmo a minha alma gêmea, a gente vai se bater, nem que seja em São Paulo.

Logo na sequencia, ouvi outra voz me dizer: "parabéns, você aprendeu. Agora você sabe que não deve confiar em nenhum sinal, imagem ou voz que não venha do seu coração." Feliz, deitei na cama e dormi profundamente até o outro dia.