Sunday, August 17, 2014

Dulcinéia


Eu, que sempre achei que a guerra nunca estava perdida, cansei de batalhas. Paz, meu querido Don Quijote, paz. Os moinhos são todos de vento. 

Thursday, August 14, 2014

Sésamo


A abertura emocional é uma entrega e uma entrega não pode ser forçada. 

Monday, August 11, 2014

Aqui é Carl Jung


Aqui é Carl Jung. No momento, não posso atender. Após o sinal, deixe a sua mensagem. 
Oi Carl, sou eu, Pat. Preciso bater um papo com você. Me liga de volta? Beijos!

Aqui é Carl Jung. No momento, não posso atender. Após o sinal, deixe a sua mensagem. 
Carl, você tá aí? Queria te fazer uma pergunta. Me liga. Beijos!

Aqui é Carl Jung. No momento, não posso atender. Após o sinal, deixe a sua mensagem. 
Tá de mal comigo, é? Continuo esperando a sua ligação. Tô com dúvida sobre o processo alquímico e gostaria de ouvir a sua opinião. É urgente. Beijo.

Aqui é Carl Jung. No momento, não posso atender. Após o sinal, deixe a sua mensagem. 
Jung, querido, sinto que você tá aí, só não entendo porque não quer falar comigo... tudo bem, quando você resolver, me liga.

Aqui é Carl Jung. No momento, não posso atender. Após o sinal, deixe a sua mensagem. 
Tudo bem o caneco. Tá achando que é quem, hein? O Papa? Ficou rico e esqueceu dos amigos? Para de ser mal educado e atende esse telefone! 

Aqui é Carl Jung. No momento, não posso atender. Após o sinal, deixe a sua mensagem. 
Eu de novo. Só pra você saber, já tentei conversar com os seus discípulos, mas eles são uns perdidos, uns papagaios de pirata, só repetem o que você escreveu. Se bobear, eu pago para explicar para eles do que se trata. Nenhum deles passou conscientemente pelo nigredo como você. Albedo e rubedo então, esquece. Ah, Jung, atende, vai. Como sua ex-paciente e amiga de longa data, peço que você me ajude. Tô de saco cheio desse povo que faz cara de sabido, fica vomitando teoria, mas nunca vivenciou nada. 

Aqui é Carl Jung. No momento, não posso atender. Após o sinal, deixe a sua mensagem. 
Carl Gustav Jung, agora perdeu a graça. Você esqueceu do seu juramento a Hipócrates? A integridade da vida e a assistência aos doentes? A minha pergunta é simples, não vou tomar muito o seu tempo, prometo. É que rolou um solutio. No duro, não foi só em sonho. Eu me afoguei mesmo. Jung, me liga de volta... você sabe que não dá pra ficar deixando recado sobre esses assuntos. Beijo.

Aqui é Carl Jung. No momento, não posso atender. Após o sinal, deixe a sua mensagem. 
Bem, como você não quer me atender, vou tentar explicar por aqui mesmo, talvez assim você resolva me ligar de volta. Na quinta passada, final de tarde, me deu na telha de ir pra praia no Farol da Barra... quando estava andando nas pedras, uma onda gigante veio e me jogou no mar. Antes que você ache que foi sonho, não foi. Aconteceu de verdade. Aliás, essa é uma das perguntas que tenho para você: tem diferença de solutio sonhado e solutio real? Mas voltando, acredita que eu tava usando um vestido longo branco? Juro! Tinha decidido assim, do nada. E eu que imaginava que o afogamento da noiva fosse apenas uma metáfora... mas a água me puxou de golpe, o vestido junto pesando, me levando pro fundo... eu, desesperada, pensando: tá vendo, queria virar Iemanjá, taí, nega, ela agora vai te levar. Contando pode até parecer um desvario da minha parte, mas você me conhece, sabe que não sou de brincar com os desígnios da natureza e muito menos com a força dos arquétipos femininos que se escondem no oceano. Parecia uma lição das mais aterrorizantes. Nunca bebi tanta água salgada, nem nos tempos em que pegava morey boogie. Só não me afoguei porque a onda...

(fim da mensagem)

Aqui é Carl Jung. No momento, não posso atender. Após o sinal, deixe a sua mensagem. 
Um porre, essa secretária, viu? Bem, continuando, onde é que eu tava mesmo? Ah, eu me afoguei, melhor, quase me afoguei, mas, pasme, a mesma onda que me levou, me trouxe de volta. Não é extraordinário? A passagem mais fundamental do solutio ao vivo e a cores. Aí, quando eu voltei para casa, claro que não imediatamente, mas depois de ter me recuperado do susto, comecei a ler o Misterium Conjunctionis e fiquei estupefata quando vi que você havia dedicado um capítulo inteiro às propriedades do Sal. Então fui associando o aguaceiro ao albedo, à diluição do ego... ah, desisto, é impossível contar uma experiência de dissolução psíquica para uma máquina.

Aqui é Carl Jung. No momento, não posso atender. Após o sinal, deixe a sua mensagem. 
Tô começando a ficar preocupada com você. Não retorna os meus telefonemas e nem responde aos meus e-mails. Aconteceu alguma coisa?

Aqui é Carl Jung. No momento, não posso atender. Após o sinal, deixe a sua mensagem. 
Jung, para de se fingir de morto e atende esse telefone!!!!!!

Aqui é Carl Jung. No momento, não posso atender. Após o sinal, deixe a sua mensagem. 
Olha só, não vou ficar aqui de braços cruzados esperando que a minha casa pegue fogo na próxima operação alquímica. Preciso me preparar para os riscos da projeção do inconsciente na minha vida real. Comprei uma passagem para Zurique. Chego amanhã, às 5:40, em Kloten, vôo da Swissair número SWR92. Oxalá o avião não exploda como prova de mortificatio. Se você puder me pegar no aeroporto, vou adorar. Caso contrário, pode esperar as batidas na sua porta.

Aqui é Pat. No momento, não posso atender. Após o sinal, deixe a sua mensagem. 
Pat, minha querida, sou eu, Carl. Estava num retiro de meditação tibetana e só ouvi os seus recados hoje. Te vejo no aeroporto. Feliz com o nosso reencontro. Bis morgen!

Sunday, August 10, 2014

Dia dos Pais


Quando eu era criança, uns 10 anos mais ou menos, tinha certeza que as orelhas do meu avô Pedro, pai do meu pai, aumentavam de tamanho a cada vez que eu o encontrava. Sem mentira nenhuma, eu acreditava piamente nisso porque as orelhas do meu avô não eram só imensas, elas eram cada vez maiores.

Acho que em qualquer pessoa orelhas gigantes ficam feias. Em meu avô era um charme. Uma marca própria. Ele definitivamente não seria ele sem aquelas orelhas que cresciam sem parar.

Talvez as orelhas avantajadas se expliquem pelo fato do meu avô ter sido músico. A bem da verdade, é preciso dizer que ele também tinha uma padaria, uma fazenda e outros negócios, mas o que todo mundo, inclusive eu, lembrava de primeira era que ele era um músico talentoso e tocava vários instrumentos - de ouvido, claro!

Quando completei 3 anos, ele me deu um violino e um livro de partituras, acreditando que eu iria aprender a tocar o instrumento da mesma forma que ele: por conta própria. Sim, ele era um auto-didata e tinha muito orgulho disso.

Ao contrário do meu avô Pedro, que morreu com 95 anos, as minhas orelhas possuem um tamanho aparentemente normal e, pelo que me consta, o crescimento delas não é perceptível nem para mim e nem para os outros. Quem sabe, por essa razão, eu nunca tenha aprendido a tocar nenhum instrumento. E por algum outro motivo, que não sei explicar, nunca tenha tentado.

Além de músico, ter uma padaria e uma fazenda, o meu avô também era poeta. Quando nos visitava em Salvador, sempre levava para mim vários poemas que havia escrito em papeizinhos soltos com a sua letra tremida. Mesmo com mal de Parkinson, fazia questão de escrever de próprio punho os seus versos. Sentávamos na varanda lá de casa e pedia para que eu lesse em voz alta os poemas que havia escrito e que, eventualmente, seriam musicados.

Voltando ao violino, até hoje é um mistério familiar porque o meu avô Pirocas, apelido pelo qual era conhecido, entre tantos netos, elegeu a mim para receber essa relíquia de família. Sempre me achei especial por isso. No meu imaginário infantil, eu era a escolhida.

Certa vez, perguntei aos meus pais e eles me responderam: ele gostava muito de você. Resposta besta, conclui. Suficiente para que eu, já adulta, começasse a fantasiar que a escolha dele representava uma façanha invisível do destino com um significado extraordinário, como um enigma a ser descoberto.

Pode demorar, mas ainda vou encontrar com o meu avô, que morreu quando eu tinha 15 anos e perguntar pra ele: vô, por que eu? Será que, quando eu nasci, você olhou para as minhas orelhas e acreditou que, um dia, elas também seriam tão imensas como as suas?
  

Status


Um privilégio pode ser opressivo.

Saturday, August 09, 2014

O informulado dói


Para todas as perguntas, uma resposta. Quiçá várias. Real ou imaginária. Cedo ou tarde.