Quem me lê já percebeu: eu sinto uma necessidade imensa de compreender as pessoas e as coisas de uma forma mais profunda. Eu gosto de questionar a superficialidade. É de mim. Olho a casca grossa que se formou nas muitas feridas, inclusive nas minhas, e logo tento fechar os olhos para mergulhar na carne que está ali. Cada vez mais, quero ir além dos julgamentos chapados e chegar na vida que pulsa por trás das manifestações defensivas ou ofensivas, tanto em mim quanto no outro.
No início desta década, ocorreu o Seqüestro do Ônibus 174. Todos conhecem essa história. Sandro do Nascimento entra no ônibus 174, no Rio de Janeiro, e ameaça matar os passageiros. Por quase 4 horas, o seqüestro é transmitido ao vivo pela TV. Ele ordena que os reféns deitem no chão e chega a simular que mata um deles. Quando desce do ônibus, usando como escudo a professora Geisa Gonçalves, um soldado atira, mas quem acaba morrendo com 4 tiros é a refém. Sem ferimentos, Sandro é asfixiado e morto na viatura.
Quando ouvimos este relato, sem conhecer a trajetória de Sandro, muitos pensam: bandido deve morrer mesmo. É uma ótica. Eu, quando vejo alguém que comete este tipo de crime, faço a mesma reflexão que o documentário "Ônibus 174" fez: quem é a pessoa por trás deste ato? E, após assistir a este filme e entendendo o percurso do Sandro, acabei me perguntando como foi que ele não fez isso antes, tão grotesco foi o processo de exclusão social que ele sofreu desde a infância.
Assim como no livro de Dostoievski, Crime e Castigo, cada vez mais passo a compreender que, muitas vezes, o maior castigado é aquele que comete o crime. Uma punição intra-psicológica que se arrasta por um longo período ou por uma vida inteira. Um fantasma, uma loucura, um exílio que assombra e não encontra perdão interno.
Neste final de ano, vou reconhecendo as minhas próprias máscaras e tentando me encontrar além das minhas atitudes dicotômicas de defesa e ataque que certamente prejudicam tanto a mim quanto aos outros. Vou tentando me des-soterrar e me achar atrás do meu esconderijo, da minha prepotência, da minha vaidade, da minha covardia. Das minhas palavras articuladas, das minhas manipulações e do meu discurso pronto. E, quanto mais encaro a minha sombra, mais tenho vontade de compreender o outro assim: sem julgamentos. Ainda é uma tentativa, mas me sinto bem com ela. Finalizo 2010, acreditando que é no âmago que está a beleza e a originalidade de cada um. Fazendo um exercício aberto de olhar a mim e ao outro além da superfície visível.
Seqüestro do Ônibus 174, 12/06/2000.
No comments:
Post a Comment