Monday, May 10, 2010

Sobre os fracassos. Os meus fracassos.

(Para os meus queridos amigos Nathalie, Cris e Claus)

Um grupo de amigos e eu combinamos que vamos nos reunir em breve para falarmos sobre os nossos fracassos - sim, porque hoje em dia, todo mundo só narra os sucessos. Ou mesmo antigamente, haja vista o poema do Fernando Pessoa: "nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo." Assim sendo, comecei a pensar nos meus malogros. Não que eu tenha começado a explorar este assunto apenas neste instante. Muito pelo contrário. Mas agora irei descrevê-los publicamente. Suspiro.

Bem, eu coleciono uma sucessão de fracassos na minha vida pessoal. Foi um atrás do outro. Sempre. Possuo uma incapacidade confessa de lidar com a vida dita amorosa. Porque eu tenho aquela mania chata das pessoas cheias de medo: ninguém nunca serve. E quando serve, eu desconfio. Penso. Analiso. Questiono. Será? E neste “será?”, o tempo passa. O outro cansa. E eu ali: equacionando o inequacionável. Em suma, eu sou uma problemática. Os meus amigos já sabem. É aquela novela que inicia da mesma forma: "bacana, porém..." e termina do mesmo jeito: "acho que não". Dizem que eu sou exigente. Vai ver que sou. Mas tem aquele ditado: "quem desdenha quer comprar". E eu acrescento: todavia não quer assumir seu querer com receio de fazer um mau negócio. Fico nessa: perdido por perdido, deixa quieto. A minha salvação é que aparecem os heróis. Ou os loucos. E um belo dia, surgiu um herói louco e eu casei.

Gostaria de poder dizer aqui: “e viveram felizes para sempre”. Entretanto, a frase do Renato Russo é mais atual: "pra sempre, sempre acaba". E de todos os fracassos pessoais que eu acumulo, o maior deles foi o fim do meu casamento. Sim, fracassei. E lamento profundamente que não tenha dado certo. Aí, vira e mexe, chegam aquelas pessoas que me falam: "Pat, mas deu. Deu certo por 12 anos". Hoje em dia tem isso. As pessoas se sentem obrigadas a serem positivas - é o cacoete do tal "positive thinking" - e por esta razão sustentam este papo de que "deu certo enquanto durou". Confesso que eu quase caí nessa ladainha. Por um tempo falei essa bobagem. Hoje eu sei: deu errado. Queria que o final fosse outro, mas não foi. Este é o princípio do fracasso, você quer imensamente uma coisa, tenta de tudo, e não acontece. Ou simplesmente desacontece. E, no meu caso, desaconteceu.

Eu considero extremamente difícil assumir um fracasso, absolutamente além das minhas forças. Porque, no meu íntimo, eu não acho que tive um fracasso. O que eu sinto mesmo é: "eu sou um fracasso". Um sentimento de absoluta incapacidade me invade quando o insucesso se concretiza. Eu fico ali, parada. Sentada no meio-fio. Olhando os carros passarem. Nem o horizonte eu consigo enxergar. E tem coisa mais sem sentido do que ficar contando os carros que passam enquanto você mantricamente repete perguntas absurdas do tipo: por que não deu certo? O que eu poderia ter feito para reverter?

Para mim, essa é a pior parte do fracasso: eu não aceito. Não tem jeito: eu não aceito. Eu continuo ali, contando os carros e especulando. Aí o tempo passa e eu fico ponderando o que fazer com a ruína. Tem gente que finge tranqüilidade e joga debaixo do tapete. Bem, eu fracasso até nisso. Dizem que os sábios aprendem com os erros. Eu faço parte do grupo dos burros: juro que não sei o que aprender com o acontecido. Pois imagino que o próximo relacionamento será diferente e eu também não vou ser igual. Afinal, tudo é incrivelmente mutante e imprevisível: as pessoas, o lugar, o tempo.

Talvez esta seja mais uma desculpinha idiota para acalmar os fracassados: aproveite o erro e aprenda com ele. Será mesmo que a vida é assim? Acho arrogante acreditar que podemos aprender com o fracasso. Aprende não. Aprende nada. Sabe por quê? Porque no final das contas, o único aprendizado que a vida nos pede com relação ao fracasso é aceitar.  Aceitar a nossa impotência de não sabermos como será o próximo encontro. Aceitar que os acontecimentos são incontroláveis. Aceitar que não podemos driblar os deuses. Aceitar quem você é. Aceitar quem o outro é. No dia em que aceitamos plenamente a aceitação, que absorvemos existencialmente o fracasso, o que precisava ser aprendido finalmente se materializa.

E isto me lembra Nietzsche, uma pessoa que nunca entendeu de casamentos, mas compreendeu profundamente a existência humana: "Amor fati" [amor ao destino]: seja este, doravante, o meu amor". "Não querer nada de diferente do que é, nem no futuro, nem no passado, nem por toda a eternidade." É isso. Acolher o fracasso e o sucesso. Receber de boa vontade o bom e o ruim. Acertar e falhar. Para quem sabe, assim, permitir que a nossa humanidade seja, enfim, humana. Como disse Pessoa: "Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo?"

8 comments:

José Humberto Ribeiro said...

Lindo texto. Real. Verdadeiro... Essa coisa de Amor Fati é incrível, tem de estar duro e forte diante do que vem e do que foi....

Uma coisa interessante é que temos dificuldade de nos perdoar e esquecer... Vou colar aqui uma do Nietzsche sobre o esquecimento enquanto saúde:


"Esquecer não é uma simples vis inertiae[força inercial], como crêem os superficiais, mas uma força inibidora ativa, positiva. (Segunda dissertação - § 01 - Genealogia da Moral)
"Não poderia haver felicidade, jovialidade, esperança, orgulho, presente, sem o esquecimento". (Segunda dissertação - § 01 - Genealogia da Moral)

Alexandre Lucas said...

Lendo e adorando o blog. Usei uma citação de um comentário seu no blog do Alê Bessa no meu. Se houver problema, avisa, OK?

Parabéns pelo apurado estilo =D

Alexandre Lucas said...

"Sim, porque hoje em dia, todo mundo só narra os sucessos."

Fato!

arosaquefala said...

Eta menina desassossegada!
Tanta coisa pra dizer sobre isso...

Um dia, eu estava me sentindo muito fracassada e fui meditar. Meu orientador - que como todo homem sábio tem bastante humor - me disse: não deixa que o fracasso te suba a cabeça!!!

Eu sou pela vida, e por isso já nasci fracassada: vou morrer!
Alguém não vai?
beijos!

CRIS said...

Sua sensibilidade me encanta!

Robson Henriques said...

Pat, meu anjo.

Pára com essa deliciosa mania de escrever sobre todos nós.

Quando eu estava lendo seu texto, me peguei vendo meu rosto refletido na tela do computador.

Texto bom é assim. Transforma uma folha de papel ou uma tela em espelho.
Da Alma.

Beijo sempre.

Robson

Daniela Dall'Acqua said...

Lindo, Pat.

Fernanda de Paula said...

Realmente, se ninguém nunca comenta os fracassos é porque não aprendeu nada com eles!
Sabe o que eu acrescentaria? Que tanto o sucesso quanto o fracasso não dependem só da gente, sempre tem alguém do outro lado. Se esse alguém pensar diferente da gente, pronto, tá fracassado! Ou se pensar igual, é um sucesso!
Mas tem uma coisa que aprendi: que se a gente, ao menos tentar aceitar os fracassos, eles vão acabar se tornando mais corriqueiros, e que isso só pode deixá-los menos importantes (quero acreditar que sim).