Tuesday, February 19, 2013

O meu encontro com a cabocla Jurema


Vale do Capão, janeiro de 2013.


O meu encontro com a cabocla Jurema foi tão impactante quanto o meu encontro com Deus.

Eu sou. Essa é a frase de Jurema, sendo essa, a mesma frase de Deus. Com uma diferença: Jurema é mulher. E mesmo que Deus seja homem e mulher (hermafrodita), Jurema é o feminino puro. Note que eu disse, puro, mas não me referindo à pureza, como a de Maria, mas sim ao autêntico. Jurema é o “eu sou mulher”, sem a necessidade de qualquer tipo de adjetivo. É a energia do óvulo, que, sem nenhum esforço, tudo atrai.

Quando finalmente incorporei Jurema, tive certeza absoluta de que era ela. Não era Yemanjá, Iansã, Oxum. Todas essas são lindas, mas, entre muitas diferenças, existe uma fundamental: elas não são livres. Jurema se sabe livre, se sabe índia, se sabe Terra. Podem até amarrar Jurema, mas ela jamais será catequizada. Nua ela permanece. Este é o seu conforto: não há nada a esconder. 

É no encontro com Jurema que o intelecto se rende. Compreendi isso. O intelecto não se entrega ao coração, mas ao útero. Ele cede quando é surpreendido pelo poder receptivo, acolhedor e gestador do sagrado feminino. O poder do colo quente que da início ao mundo.

Quisera eu perceber Jurema sempre presente em mim. Quisera o mundo poder sentir no corpo fluir a energia de Jurema. E ninguém mais teria nenhuma dúvida sobre a força imóvel do óvulo.

Sunday, February 17, 2013

Meditando no Vale do Capão - Parte II

Vale do Capão, janeiro de 2013.



Quando o terceiro olho se manifestou, fiquei deslumbrada. Era como se estivesse vendo as cores pela primeira vez na vida. Nunca um vermelho tinha sido tão vermelho. Era como se todos os eventos do universo fossem quadros dinâmicos pintados pelo Van Gogh. Durante um bom tempo fiquei assistindo, no meio da minha testa, ao que nem nome tinha. Um caleidoscópio das verdades absolutas? Extasiada, repetia: a ciência nunca será capaz de captar ou reproduzir o divino. Entretanto, de atração passei a sentir um medo imenso porque eu não tinha nenhum controle sobre esse olhar quântico. Imagine o seguinte: e se os nossos olhos, eles próprios, escolhessem os acontecimentos que querem ver? E se os nossos olhos jamais se fechassem? Senti pânico: esse olho vai ficar para sempre aberto. Não vou aguentar tanta lucidez. E havia mais, sentia que em mim operava uma espécie de instância intra-psíquica superior, alguém ou algo que gerenciava os segredos e eu só observava. Resumindo, era em mim, mas quem olhava era outro. E eu via o olhar do outro, sabendo que, no fundo, era o meu próprio olhar.  

Diante dessa circunstância inicialmente sublime, mas, com o tempo, bizarra, o meu desespero foi tão genuíno que comecei a negociar com esse agente que estava (ou parecia estar) instalado no meu cérebro. Enquanto as imagens dinâmicas e multi-dimensionais (quantos Ds será que foram?) iam se desdobrando na minha frente, eu ia tentando sair dessa situação. Meu lindo, me libere dessa. Sério. Repare só, eu sou uma daquelas pessoas realmente covardes e clarividência não é pra mim. Quando vejo as coisas antes que elas aconteçam é um peso da porra. Fora que sempre parece culhuda.  Na boa, nem sei o que fazer com isso. Falar para as pessoas “eu vejo o que você não vê” para mim é prepotência. Ficar calada é de se lenhar. Rapaz, me libere dessa, mesmo! Eu quero é ficar de boa, conversando com os meus amigos sobre música, teatro, poesia. É ouvir as histórias dos amores e desamores das minhas amigas, enquanto a gente cozinha e dá risada. Nem sei porque vocês inventaram essa maluquice de terceira visão pra cima de mim. Na moral, eu não tenho, nem nunca tive, vontade de virar cartomante, mãe de santo, iluminada, guru ou ser uma dessas figuras de “autoridade” espiritual. Respeito quem faz isso. Mas eu, euzinha, quero ter sorte no amor e muito azar nos jogos manpulativos. Pode não parecer, mas tô a fim mesmo é de coisa simples, é de viajar contemplando a paisagem na companhia de gente bacana. Sei que tô meio perdida, mas vamos e venhamos que é uma perdição relativamente saudável, menos subserviente, menos mandona, mais suave, numa levada rítmica. Acredite, é nessa toada que quero tocar a minha vida, cantando, dançando, escrevendo, brincando, chorando, rindo, tropeçando, criando. Criando! Isso. Que tal a gente trocar essa história mística de terceira visão pela fertilidade do Nilo? Bora? Uma fonte criativa jorrando continuamente dentro de mim seria massa demais.

Após ficar horas nessa ladainha com esse "agente superior", o terceiro olho se fechou. Fiquei aliviada por ter sido liberada do processo, pelo menos, naquele momento. Aí me toquei: tô enlouquecendo. Um medo descomunal tomou conta de mim. Comecei a conversar comigo mesma:  pronto, tô surtando. Eu me desconectei tanto da realidade que fiquei louca. O próximo passo é sair rasgando dinheiro pela rua. Ou fazer que nem a minha avó paterna, que teve Alzheimer e, aos 70 anos, dizia para todo mundo que ia para Hollywood trabalhar como atriz. Céus, como eu fui cair nessa? Sempre fui uma pessoa tão pragmática. Será essa uma pegadinha do universo? Toma aí, Pat, você que sempre se achou pé no chão, agora vai experimentar a loucura. E se for uma lavagem cerebral realizada por alguma sinapse do meu cérebro que entrou em looping com tanto oxigênio? Sinapse pode entrar em looping? Alô, como eu faço para voltar para a normalidade? Putz, mas eu sou normal. É normal nada. Quem é normal não fica negociando com forças ditas superiores alojadas em algum lugar da cabeça. Mas tem o livro do Joseph Campbell, lá ele comenta que existe algo assim, eu me lembro. Acho que me lembro. Peraí, será que Joseph Campbell existiu mesmo? Será que projetei essa pessoa? Inventei a Jornada do Herói? Pat, agora deixou de ser loucura, para ser sandice de último grau. Se liga, aqui não é Matrix, Avatar, The Truman Show, aqui é um chalé no meio da Chapada Diamantina. Você é uma mulher comum. Além do mais, louco sempre nega a loucura. Se você está conscientemente refletindo sobre  isso é porque está plena das suas faculdades mentais. Você estava meditando e exagerou na dose, como sempre. Retenha isso: menos intensidade. Levante e vá tomar um banho. OK, você tem razão, tanto tempo meditando foi over, mas vamos ser compassivos, lembrando que não tinha como adivinhar que o meu corpo iria, ele todo, funcionar de forma autônoma, sendo eu, apenas uma mera observadora. Olha só, aprendi a lição e não pretendo repetir essa maluquice, mas que essa terceira visão entrou em mim, ah, isso sim. Foi tão real quanto a água do chuveiro que daqui a pouco vai cair na minha cabeça. E eu não quero isso na minha vida. Lamento, mas você não possui controle sobre a manifestação da terceira visão. Tudo bem, não controlo, mas preciso me posicionar para seja lá quem esteja operando esse cinema multi-D: por favor, me libere dessas sessões. 

Em seguida, sem pensar, levantei e olhei o relógio que marcava três horas da manhã. Muito bem, três horas da manhã de algum dia da semana. Fui tomar banho sem noção de quanto tempo fui meditada ininterruptamente. Dois dias, em jejum involuntário, será? Depois, fui comer na cozinha que ficava fora do chalé, morrendo de medo das aranhas que haviam se aglomerado por todos os lados. Umas dez? Com a presença das aracnídeas, umas maiores, outras menores, rapidamente o mundo voltou a ser bem concreto de novo. Embora o meu instinto inicial tenha sido o de me livrar delas "já!", refleti que seria maldade assassinar nossas amigas tecedoras do universo. Acabei me resignando ao fato de que a natureza é algo vivo e não um programa espetacularizado do Discovery Channel. Deixei as bichinhas em paz. Comi depressa, com receio de que a aranha armadeira voltasse a pular no centro do meu peito como havia feito dias antes.

Apesar da fraqueza das pernas, voltei para o quarto correndo, vesti a camisola e sentei na cama: Pat, por que você inventa essas coisas? Ficar sozinha no meio do nada? Tá na hora de você amadurecer e parar com essas excentricidades. Você estava feliz em Sampa, não tava? Se você estivesse mal, até entenderia, mas não era o caso. Tinha que ficar tanto tempo isolada apenas para reafirmar o que você já sabia? Que quem consegue ser feliz sozinho entende que o bom mesmo é ser feliz com os outros... de repente, como se uma nova e cristalina freqüência sonora entrasse no meu ouvido,  escutei uma cantiga entoada por uma mulher rendeira. Será essa a melodia das mulheres que eternamente nos aconchegam em seus colos, mesmo quando já somos adultos ou velhos? Que perdoam todos os nossos pecados, desde os mais miseráveis até aqueles que nem sabemos que cometemos? Que nos redimem de nossa exaustão? Ninada neste acalanto, adormeci.

Até hoje não tenho certeza se essa mulher estava mesmo passando pela rua naquela madrugada ou se tive acesso a alguma trilha sonora do universo. Songlines? Acordei no outro dia feliz por aceitar que o bom do mistério é que ele permanece o que é. Estava alegre por poder transitar na realidade e comer banana frita no café da manhã.

Saturday, February 16, 2013

Meditando no Vale do Capão - Parte I

Vale do Capão, janeiro de 2013.

Os primeiros 15 dias de solidão voluntária, ou seja sem nenhum contato com os amigos, eventuais inimigos, conhecidos, internet, celular, livros, música e afins,  transcorreram de forma bem tranqüila. Alternei os longos momentos de meditação com idas a cachoeira, cozinhar, tomar água de coco na barraca da Dona Nani e aprender a ouvir as mensagens do meu corpo.  Sim, para a minha surpresa, o meu corpo fala.  E a primeira coisa que ele me perguntou foi: por que você se acha fedorenta?

Admiti. Freqüentemente eu me recuso a sentir o meu próprio cheiro, disfarçando-o  com produtos químicos. Movida por esse insight, parei de usar desodorante, sabonete, perfume ou qualquer tipo de essência que pudesse me afastar do meu próprio odor. Decidi não raspar mais as axilas, as pernas, a virilha, como também ficar alguns dias sem tomar banho. Parecia uma idéia um pouco estapafúrdia justamente no calor sertanejo, mas, no final das contas, quando ficamos só, precisamos inventar situações que nos distraiam. Essa parecia uma boa desculpa, mesmo que new-age, para passar o tempo. Convenci-me de que nasci "to-be-wild", lancei-me na brincadeira e comecei a respirar os cheiros que saiam das várias partes do meu corpo. A diversão foi melhor do que a encomenda. O meu nariz adorou. Juro! Era como se os cheiros tivessem sido elaborados especialmente para ele. Como no livro,  aquele que todo mundo sabe o nome.

Engatei nesse cheiramento e ampliei os meus questionamentos. Comecei a me perguntar, por exemplo, por que eu passei tantos anos experimentando técnicas de respiração mirabolantes e, muitas vezes, contraditórias, que invariavelmente me vendiam o “melhor” jeito de respirar:  coloque a sua respiração no abdômen, eu ouvia. Inale e exale calmamente pelas narinas. O correto é soltar o ar pela boca. Um bom exercício é puxar o ar pela boca como se estivesse usando um canudinho porque dilata as costelas inferiores. Vigorosamente expulse o ar pelas narinas. Kriya. Aí a ficha caiu: transformei o meu corpo num laboratório de testes. Pior: estava testando os “achados” de terceiros. Pensei: tá na hora de deixar de lado as práticas das pessoas incríveis, sábias e iluminadas e passar a acreditar na única coisa que me restou desde que eu desisti de ser uma dita cidadã respeitável que ganha 4 mi cruzeiros por mês: o meu corpo. Ele sim, sabe.

Aceitei: "corpo, eu confio em você. Faça o que quiser". Que importa se a minha respiração é curta ou profunda? O importante é que é a minha respiração, do jeito que ela quer e pode ser. Não, ela não é perfeita. Todos nós sabemos disso. A minha ex-professora de Yoga, o meu professor de canto, a minha instrutora de bioenergética continuamente me alertam: precisa melhorar a respiração.  Vero. Mas vamos aos fatos: a minha respiração nunca me deixou na mão. Nunca! Ela me mantém viva. Quanto às múltiplas teorias, elas só me deixam mais confusa e com a sensação de que tudo o que eu faço está aquém do "como deveria ser". Parei de criticar a minha respiração e comecei a ter uma enorme reverência por ela, exatamente do jeito que ela é. Parei de julgá-la, de tentar que ela atingisse um determinado padrão de excelência. Respiração, fique tranqüila, você não precisa mais seguir nenhuma norma ISO, Seis Sigma, Kaizen. Pranayama, adeus.  Com o mantra, “corpo, eu confio em você”, ia dormir feliz. E mesmo que o meu nariz continuasse entupido, escorrendo, espirrando por conta da minha incurável rinite, eu me sentia aliviada. Eu não precisava mais “treinar” o meu corpo para que ele recebesse o diploma de honra ao mérito ou de respirador do ano.

Após alguns dias - sem nenhuma pretensão de que isso acontecesse -  eu não mais respirava. Explico. Subitamente, a minha respiração assumiu o controle e passou a respirar por mim. Parecia que tinham me tirado de uma estrada esburacada e me enfiado numa auto-pista. A respiração fluía de forma natural e sem obstáculos. Era como se eu fosse um bebê. Era uma refeição completa. Uma nutrição para a alma. Sentia a força arrebatadora do não esforço. Eu não precisava respirar, o meu corpo é que respirava profundamente. O meu diafragma se movia sozinho. Sentia as minhas costas inflarem e desinflarem prazerosamente. A única coisa que eu fazia era observar e sorrir. Uma alegria me invadiu. Uma leveza. A liberdade é um corpo que flui espontaneamente numa cadência de berimbau. Será que o berimbau conversa secretamente com o coração? Festa. Uma clareza tomou a minha mente: durante 43 anos, o meu corpo esperou por esse momento, esperou que eu parasse de exigir, comandar, determinar, parasse de usar técnicas "eficientes" e ter expectativas. Durante anos a fio, ele aguardou pacientemente pelo dia em que eu apenas confiasse nele, pois ele sempre – sempre! – soube o que nenhum livro, guru ou método poderia me ensinar: como relaxar no que já é do jeito que deve ser.

Por enquanto, é isso. Mais sobre a minha solidão voluntária nos próximos posts. Se eu já tomei banho depois desse episódio? Claro! De rio e de cachoeira então, nem se fala. Entretanto, parei de usar desodorante. Li no wikipedia que os antitranspirantes ocasionam o fechamento de mais ou menos 50% das glândulas sudoríperas. Este até poderia ser um argumento plausível para não utilizar mais um "anti-suor", porém, prefiro deixar de lado as alegações científicas e escutar o que o meu corpo me disse: se acostume a apreciar o seu próprio cheiro.


Thursday, February 14, 2013