Saturday, February 16, 2013

Meditando no Vale do Capão - Parte I

Vale do Capão, janeiro de 2013.

Os primeiros 15 dias de solidão voluntária, ou seja sem nenhum contato com os amigos, eventuais inimigos, conhecidos, internet, celular, livros, música e afins,  transcorreram de forma bem tranqüila. Alternei os longos momentos de meditação com idas a cachoeira, cozinhar, tomar água de coco na barraca da Dona Nani e aprender a ouvir as mensagens do meu corpo.  Sim, para a minha surpresa, o meu corpo fala.  E a primeira coisa que ele me perguntou foi: por que você se acha fedorenta?

Admiti. Freqüentemente eu me recuso a sentir o meu próprio cheiro, disfarçando-o  com produtos químicos. Movida por esse insight, parei de usar desodorante, sabonete, perfume ou qualquer tipo de essência que pudesse me afastar do meu próprio odor. Decidi não raspar mais as axilas, as pernas, a virilha, como também ficar alguns dias sem tomar banho. Parecia uma idéia um pouco estapafúrdia justamente no calor sertanejo, mas, no final das contas, quando ficamos só, precisamos inventar situações que nos distraiam. Essa parecia uma boa desculpa, mesmo que new-age, para passar o tempo. Convenci-me de que nasci "to-be-wild", lancei-me na brincadeira e comecei a respirar os cheiros que saiam das várias partes do meu corpo. A diversão foi melhor do que a encomenda. O meu nariz adorou. Juro! Era como se os cheiros tivessem sido elaborados especialmente para ele. Como no livro,  aquele que todo mundo sabe o nome.

Engatei nesse cheiramento e ampliei os meus questionamentos. Comecei a me perguntar, por exemplo, por que eu passei tantos anos experimentando técnicas de respiração mirabolantes e, muitas vezes, contraditórias, que invariavelmente me vendiam o “melhor” jeito de respirar:  coloque a sua respiração no abdômen, eu ouvia. Inale e exale calmamente pelas narinas. O correto é soltar o ar pela boca. Um bom exercício é puxar o ar pela boca como se estivesse usando um canudinho porque dilata as costelas inferiores. Vigorosamente expulse o ar pelas narinas. Kriya. Aí a ficha caiu: transformei o meu corpo num laboratório de testes. Pior: estava testando os “achados” de terceiros. Pensei: tá na hora de deixar de lado as práticas das pessoas incríveis, sábias e iluminadas e passar a acreditar na única coisa que me restou desde que eu desisti de ser uma dita cidadã respeitável que ganha 4 mi cruzeiros por mês: o meu corpo. Ele sim, sabe.

Aceitei: "corpo, eu confio em você. Faça o que quiser". Que importa se a minha respiração é curta ou profunda? O importante é que é a minha respiração, do jeito que ela quer e pode ser. Não, ela não é perfeita. Todos nós sabemos disso. A minha ex-professora de Yoga, o meu professor de canto, a minha instrutora de bioenergética continuamente me alertam: precisa melhorar a respiração.  Vero. Mas vamos aos fatos: a minha respiração nunca me deixou na mão. Nunca! Ela me mantém viva. Quanto às múltiplas teorias, elas só me deixam mais confusa e com a sensação de que tudo o que eu faço está aquém do "como deveria ser". Parei de criticar a minha respiração e comecei a ter uma enorme reverência por ela, exatamente do jeito que ela é. Parei de julgá-la, de tentar que ela atingisse um determinado padrão de excelência. Respiração, fique tranqüila, você não precisa mais seguir nenhuma norma ISO, Seis Sigma, Kaizen. Pranayama, adeus.  Com o mantra, “corpo, eu confio em você”, ia dormir feliz. E mesmo que o meu nariz continuasse entupido, escorrendo, espirrando por conta da minha incurável rinite, eu me sentia aliviada. Eu não precisava mais “treinar” o meu corpo para que ele recebesse o diploma de honra ao mérito ou de respirador do ano.

Após alguns dias - sem nenhuma pretensão de que isso acontecesse -  eu não mais respirava. Explico. Subitamente, a minha respiração assumiu o controle e passou a respirar por mim. Parecia que tinham me tirado de uma estrada esburacada e me enfiado numa auto-pista. A respiração fluía de forma natural e sem obstáculos. Era como se eu fosse um bebê. Era uma refeição completa. Uma nutrição para a alma. Sentia a força arrebatadora do não esforço. Eu não precisava respirar, o meu corpo é que respirava profundamente. O meu diafragma se movia sozinho. Sentia as minhas costas inflarem e desinflarem prazerosamente. A única coisa que eu fazia era observar e sorrir. Uma alegria me invadiu. Uma leveza. A liberdade é um corpo que flui espontaneamente numa cadência de berimbau. Será que o berimbau conversa secretamente com o coração? Festa. Uma clareza tomou a minha mente: durante 43 anos, o meu corpo esperou por esse momento, esperou que eu parasse de exigir, comandar, determinar, parasse de usar técnicas "eficientes" e ter expectativas. Durante anos a fio, ele aguardou pacientemente pelo dia em que eu apenas confiasse nele, pois ele sempre – sempre! – soube o que nenhum livro, guru ou método poderia me ensinar: como relaxar no que já é do jeito que deve ser.

Por enquanto, é isso. Mais sobre a minha solidão voluntária nos próximos posts. Se eu já tomei banho depois desse episódio? Claro! De rio e de cachoeira então, nem se fala. Entretanto, parei de usar desodorante. Li no wikipedia que os antitranspirantes ocasionam o fechamento de mais ou menos 50% das glândulas sudoríperas. Este até poderia ser um argumento plausível para não utilizar mais um "anti-suor", porém, prefiro deixar de lado as alegações científicas e escutar o que o meu corpo me disse: se acostume a apreciar o seu próprio cheiro.


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