Sunday, October 24, 2010

Abertura emocional II

Ele ligou para ela com o intuito de convencê-la a se encontrarem. Hesitante, ela acabou concordando. Apesar de tantos meses arrastados, ela acreditava veementemente que as pessoas mudam - não por causa dos outros, mas por elas mesmas - e torcia sinceramente para que este fosse o caso. Sentindo-se ela mesma transformada, pegou o carro e foi até o café que ele havia sugerido. No caminho, lembrou da frase do Pablo Neruda: "tú y yo teníamos que simplemente amarnos" e, de súbito, o que é natural a encheu de alegria. Saltou do carro contente. Estava convencida de que a mágica seria maior do que aquele passado tumultuado. De coração aberto, atravessou várias mesas sem olhar para os lados e foi feliz abraçá-lo. Ele titubeou. Ela, porém, não se deixou intimidar. Estava decidida a não julgá-lo. Queria apenas sentir a sua presença e aceitá-lo. Ele se apressou em falar e, após algumas palavras sem nexo, prosseguiu com palavras que tinham menos nexo ainda. Ela sabia que ele queria dizer o que realmente sentia, mas o medo de se expor era muito maior do que ele. E, ao invés de se abrir, ele tentava manter-se incógnito através de sua sedução manipulativa .  O desapontamento foi, enfim, inevitável e, sem conseguir se conter, ela lamentou: "tão triste isso, mas eu cansei do que me impede de chegar até você. Eu cansei do seu medo, do seu jogo, do seu orgulho. Eu cansei das suas defesas, das suas meias-palavras, dos seus subterfúgios. Cansei do seu ‘faz-de-conta que’ está só um pouquinho apaixonado por mim quando a coisa que você mais deseja é ficar comigo. Cansei dos seus e-mails que querem dizer mas não dizem. Desta sua postura aparentemente fria e distante, sendo que a ansiedade lhe come por dentro. Cansei da sua mania de deixar no ar um clima repleto de tensão e dúvida, só para mostrar que você está no controle. Pra que todo esse esforço racional? O que posso dizer? Eu estou completamente apaixonada por você e deliberadamente aconchegada nas suas mãos". E, ao pronunciar estas últimas frases, mais uma vez, ela viu nos olhos dele uma vontade incrível de viver aquele sentimento, mas também um temor incomensurável de, ao fazê-lo, ficar totalmente vulnerável. Havia dentro dele um pânico do que poderia acontecer se ele parasse de dominar a intensidade de suas emoções e se rendesse por inteiro.  Um medo não daquele instante, mas do amanhã. E, novamente, ela compreendeu que nada do que ela dissesse ou fizesse iria mudar a angústia do dilema que ele sentia. Sem tomar o café que estava à sua frente, ela suspirou longamente, deu um beijo na boca dele e foi embora.

2 comments:

Alexandre Lucas said...

Uma amiga minha dizia que não se pode colocar regras nas coisas do coração. Infelizmente ainda não se deu bem.
Curti o texto.

untitled said...

Adorei o seu comentário! O texto é totalmente fictício, mas, pelo jeito, passou um sentimento de verdade para quem lê. Que bom!