Já há bastante tempo, venho ensaiando escrever sobre o direito legítimo que temos à preguiça. Neste texto, que ainda está em meus devaneios, quero, obviamente, citar o Dorival Caymmi, um homem que compôs pouco mais de 100 músicas e que nos mostrou que a genialidade não pode ser rotulada em frases como a do Thomas Edison: “O gênio é um por cento inspiração e noventa e nove por cento suor”.
Bem, acordo eu hoje na minha preguiça matutina, quando leio um texto do Arthur Nestrovski que o meu querido Márcio Almeida postou em seu FB. Ilustrou meu pensamento. Transcrevo abaixo.
É isso aí, Caymmi. Nove anos para escrever um verso. Isso é que é produtividade! E que a nossa alma sempre fale mais alto e subverta toda e qualquer regra sobre o que a sociedade capitalista-cristã considera “produtivo”. E viva a malemolência!
“Quando o Dorival Caymmi era criança, ele tinha um amigo pescador, chamado Aurelino. Morava na praia de Itapuã, na Bahia. O pai de Aurelino era o João Carapeba, de quem o Caymmi gostava. Um sujeito fortão, brigão, que dizia muito palavrão; mas também caloroso e carinhoso, conforme o momento. Quase todo mundo é um pouco assim: de um jeito numa hora, de outro noutra. Só que o Carapeba era muito assim.
Anos mais tarde, o Caymmi resolveu fazer uma música sobre ele. João Carapeba, então, virou "João Valentão". E a música tem duas partes bem diferentes: a primeira rápida e animada, a segunda suave e dengosa.
Caymmi, que sempre teve fama de preguiçoso, quando foi fazer essa música exagerou. Começou a compor em 1936, num verão em Itapuã. A melodia saiu rápido. A letra, quase toda de uma vez. Até que ele chegou nuns versos que falam em "deitar na areia da praia". Deitar na praia é gostoso - e o Caymmi parou por aí.
Só sete anos depois, andando de bonde no Rio de Janeiro, ele achou os dois versos que faltavam: "E assim adormece este homem, que nunca precisa dormir para sonhar / Porque não há sonho mais lindo do que sua terra, não há". Como se não bastasse, veio um amigo depois sugerindo trocar "terra" por "vida". Ao todo foram mais dois anos, até o Caymmi se decidir.
Esse tempo, afinal, não importa. Porque o tempo, para Caymmi, não se usa para procurar nada; o tempo é para achar. E quando o Caymmi acha, a música não fica só pronta: fica perfeita, para sempre.”
Arthur Nestrovski - Folha de São Paulo, 30 de Outubro de 2004
2 comments:
Oh menina "danada"!!!Delicia de lembrança!
Bjkas
Sabe que você é a segunda pessoa que me diz isso hoje?
Somos, graças a Deus!
Beijo!
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