Quando eu, por puro desespero, entrei nesta história de caminhada existencial, achei que iria ser jogo rápido. Dois palitos, pensei. Vou fazer a coisa acontecer de forma produtiva, afinal, quem trabalhou tanto tempo no mundo corporativo está mais do que acostumado à pressão, a metas insanas e pedidos absurdos. Refleti: vai ser moleza. Vou colocar o pé nas costas e no final comemorar com champagne e uma viagem internacional, de preferência num lugar exótico. Três anos após essa jornada, não só não tenho vontade nenhuma de viajar, como comemoração não é bem a palavra. Quem passou pelo inferno como eu, vai concordar comigo: quando começamos a ver a luz no final do túnel, temos a certeza de que não é o trem e a alegria que sentimos dispensa festas. O contentamento preenche e anuncia: ser feliz é mesmo o nosso destino, em qualquer lugar e a qualquer hora. É meio maluco isso e pode até soar arrogante, mas depois de habitar longamente uma terra desconhecida, escura e sombria, a luz não é uma surpresa. É a abundância que deve ser. Deus não é uma ficção e o aqui e agora deixa de ser uma expressão temporal. Derrotas, fracassos e desilusões deixam de ser lugares proibidos. A dor, a tristeza e o sofrimento se tornam tão banais quanto tomar um café na esquina. O medo continua, mas continua diferente. A tristeza permanece, mas bem desigual. Experimentamos sem resistência a impermanência. Quem transitou na sua própria sombra sabe: tudo é provisório. Ouvi alguém dizer: "não importa como você vive, o que realmente importa é como você se mata". Na sombra, a gente se mata. É tão simples e fácil quanto isso. É tão doloroso quanto isso. Assassinamos as máscaras, os esconderijos, as armaduras, os discursos construídos, os personagens cotidianos. Após tantos suicídios, o essencial emerge. Três anos depois e respirando livremente, sinto o prazer de estar aqui, a alegria de ser o que se é. Sem grandes planos ou metas. Sem necessidade de holofotes, medalhas ou aplausos. De pazes feita com a minha pior inimiga, a leveza me acolhe e me mostra que o teatro mais grotesco não era o que representava para os outros, mas o que eu me esforçava para atuar em mim mesma. Tranquila, aproveito o intervalo. E não tenho nenhuma grande pretensão. Estar aqui e agora me faz feliz. Somente. Mortas as ficções, o nascimento da verdade me acolhe. Eu sou eu, enfim.
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
2 comments:
Belíssimo texto! A cada dia admiro mais as suas reflexões.
Esse seu texto e outros que já publicou sempre me remete a alguns estudos que fiz de Grande Sertão: veredas. É bem isso, a travessia às vezes na secura e às vezes na vereda (abundância). Tudo isso para sabermos que nunca vamos estar prontos, é apenas o caminho. Um trocadilho que achei interessante: "Ser tão grande".
Meu querido, obrigada por fazer parte da minha caminhada.
Post a Comment