Tuesday, June 26, 2012

A Montanha é Sagrada


Ontem, depois de assistir ao filme The Holy Mountain, do Alejandro Jodorowski, lembrei da minha viagem, há dez anos atrás, ao Nepal, quando fiz um trekking, de dez dias, na Cordilheira do Himalaia. Na época, eu nem acreditava em Deus e, muito menos, em espiritualidade. Quando, logo no início do percurso, alguém comentou comigo que iríamos caminhar na Montanha Sagrada, ignorei. Sagrada? Onde? Muito pelo contrário. A cada passo que eu dava, aquele lugar ia se tornando cada vez mais concreto. Durante o percurso, as minhas questões eram concretas: dormir na barraca a sete graus negativos com um sleeping bag furado, acordar várias vezes no meio da noite e da neve com uma vontade inevitável de fazer xixi, ficar dias seguidos sem chuveiro, melhor, sem tomar banho, as dores de barriga e de cabeça repentinas. Era tudo muito direto e reto. O que eu sentia, sentia na carne: o peso cada vez pior da minha mochila, as intermináveis subidas, o suor insuportável do dia, o frio gélido da noite. Por mais que eu tentasse achar lindo, a minha mente não contemplava, só me atazanava: “desista, sua idiota, o que é que você veio fazer aqui?” Era tudo sólido demais para ter visões. E quanto mais eu subia, mais rarefeito o ar ficava. Mais difícil cada passo. Mais extenso cada metro. Alguém desligou o oxigênio, foi isso? Essa história de apreciar o caminho, bem, não foi pra mim. Passei todos os dias obcecada por alcançar o cume, que exausta, alcancei. Sim, cheguei. E para a minha surpresa, ainda viva. Parei. Acima de mim, havia a imensidão, embaixo, as nuvens. No telhado do mundo, nem pensei muito. Acho que nem pensar, pensei. Fiquei tranqüila, isso sim. Silenciada. A cinco mil metros de altura enxerguei. Vi que alguém havia escolhido aquele lugar para colocar o infinito. Um infinito que, por sua vez, me elegeu. Esse alguém dizia no meu ouvido: "não existe limite". Desci a montanha em êxtase. Quando voltei ao Brasil, já sabia que alguma coisa teria que mudar. Achava que era mudar de emprego, de vida, de profissão, de relacionamento, quem sabe até de cidade ou país. Achava que “o outro” me limitava, que eu tinha que mudar. Só muitos anos e muitas mudanças depois foi que entendi que não tinha que alterar, mas sim expandir, expandir a minha conexão. Que conexão? Com o interno? Com o externo? Como disse Jodorowski, com o real. Acabar com as ilusões e aceitar o real. É exatamente isso. E se você está se perguntando agora, o que é real, se o real é a vida cotidiana, a natureza, o primitivo, a nossa essência, as inúmeras oportunidades que temos na vida, respondo: assista A Montanha Sagrada. E se, ao assistir ao filme, você não entender nada, absolutamente nada, lhe digo: expanda a sua conexão. Só isso, expanda a sua conexão com o que, de fato, é real.


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