Saturday, March 02, 2013

Meditando no Vale do Capão - Parte III


Vale do Capão, janeiro de 2013.

Quando eu acordei no outro dia, já eram 2 horas da tarde. Abri os olhos, rezando para que o tal agente superior que havia se instalado na minha mente tivesse mesmo ido embora. Corri o chalé com os olhos. Esperei. Será verdade? Ele desistiu de mim? Saltei da cama gargalhando, gritando, dançando: livre, livre, livre. Parei de novo e mais uma vez olhei ao redor. Fechei os olhos. Agucei a escuta. Esperei. Era verdade, finalmente aquele desastre quântico havia terminado. Pulei várias vezes. Comemorei. Agradeci: obrigada, meu Deus, eu não fiquei louca. Parei de novo. Sentei na cama: Pat, você, como sempre, impulsiva. Sem comemorações antecipadas. E se ele voltar? Fiquei séria e senti minha barriga roncar. Poderia cozinhar para passar o tempo, se eu não estivesse morrendo de fome. Tomei uma decisão ousada: sair do chalé e comer num restaurante minúsculo que ficava relativamente perto, cerca de 800 metros. Coloquei a roupa e sai. 

Comecei a andar pela rua de terra e percebi como estava fraca. Quando cheguei ao restaurante, me senti exausta. Puxei a cadeira totalmente sem força. A dona do restaurante, que também era a atendente, veio ao meu encontro. Tão logo ela me disse boa tarde, perguntei para ela: que dia é hoje? A data, você quer saber? Também, mas preciso mesmo saber qual o dia da semana. Ela me olhou meio desconfiada. Terça-feira,  29, respondeu. Agradeci, sem saber direito o que fazer com essa informação, já que não conseguia me lembrar ao certo quando tinha sido a última vez em que eu tinha saído do chalé para dar uma volta, mesmo sem interagir com ninguém. Tem PF? Perguntei. Tem sim, carne do sol ou frango? Carne do sol, retruquei.

Enquanto esperava pela comida, percebi que havia mais alguém no restaurante, um homem de uns 35 anos. Baixei a cabeça rapidamente, com receio de que ele puxasse conversa comigo. Estava tão exausta que a última coisa que me apetecia naquele momento era que alguém quisesse ficar de papo furado comigo. Tentei olhar para qualquer lugar, menos para ele. Como o ambiente era pequeno, em algum momento, os nossos olhares acabaram se cruzando. Percebi que ele estava tão exausto quanto eu: seus ombros estavam caídos e seu corpo envergado, dando a entender que ele havia retornado de uma longa caminhada. Tinha uma aparência simpática e segurava a carteira nas mãos pensativo. Ficamos aliviados os dois, era explícito que nenhum de nós estava com vontade de estabelecer uma cordialidade protocolar.  Em pouco tempo, a dona apareceu com o troco e ele foi embora.

A comida chegou, dei duas garfadas e perdi a fome. Estava uma delícia, mas o meu estômago parecia embrulhado. Fiquei enrolando que nem criança e, no final, deixei mais da metade no prato. Pedi um suco de mangaba para compensar a falta de apetite. Bebi quase todo o suco que estava na jarra e fui embora, ainda mais cansada do que antes.

Abri a porta do chalé sem saber muito o que fazer. Na verdade, eu sabia, queria deitar de novo, mas eu tinha acabado de acordar e se eu dormisse durante o dia, poderia ter insônia à noite. Enquanto eu refletia sobre o meu cansaço, ouvi uma voz nítida, como se fosse a voz da minha consciência. Ela me disse claramente: "tome um banho, se arrume e vá para a Vila. Esse homem que você acabou de ver no restaurante é a sua alma gêmea. Ele está esperando por você lá no banco da praça.“ Sorri. Era tão cristalina a voz que não havia espaço para dúvidas. Agradeci todo o processo que eu havia vivenciado durante aquele mês e comecei a caminhar  na direção do banheiro. Em alguns poucos segundos, algo maior me deteve: eu mesma. Por mais louca que eu estivesse para conhecer o homem da minha vida, senti que não parecia correto comigo seguir aquele sinal. Melhor: não era compassivo com o meu corpo me cansar ainda mais. Eu estava caindo pelas tabelas, sem força nem para me manter em pé ou tomar banho, quanto mais andar um quilômetro até a Vila para conhecer alguém. Em alto e bom som, respondi para a suposta voz da minha consciência: olha só, não vou fazer isso com o meu corpo, ele não merece. O que ele precisa agora é descansar, ao invés de se exaurir em algum tipo de atividade. Se esse cara for mesmo a minha alma gêmea, a gente vai se bater, nem que seja em São Paulo.

Logo na sequencia, ouvi outra voz me dizer: "parabéns, você aprendeu. Agora você sabe que não deve confiar em nenhum sinal, imagem ou voz que não venha do seu coração." Feliz, deitei na cama e dormi profundamente até o outro dia.

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