Sentados no sofá da sala de estar, Pat e Alex conversam há
cerca de dez minutos.
Pat: Que saco!
Alex: Não entendi
Pat: Sempre me comparam a alguém. Você é a bola da vez.
Alex: Eu morri.
Pat: E daí?
Alex: Você já se livrou de mim.
Pat: Os mártires dão mais trabalho do que os vivos.
Alex: O que você quer que eu faça?
Pat: Nada. Apenas me deixe continuar irritada.
Alex: Raiva só faz mal a quem sente.
Pat: Pois eu tô adorando.
Alex: Quer dizer que fizeram um filme sobre a minha vida?
Pat: Foi. Into the Wild, um blockbuster. Você ficou famoso.
Alex: Pena que não recebi os direitos autorais.
Pat: Mas você não pegou todo o dinheiro que tinha no banco e
fez uma doação?
Alex: Me arrependi depois.
Pat: Tá de brincadeira comigo. Logo você?
Alex: Sabe como é. No final da viagem, foi complicado ficar
sem grana.
Pat: Pensei que você fosse um andarilho desapegado...
Alex: Tudo em excesso cansa.
Pat: Já que você está aqui, vou aproveitar para tirar uma
dúvida.
Alex: Shoot.
Pat: Você ingeriu por engano aquela planta venenosa ou
queria mesmo morrer?
Alex: Queria morrer.
Pat: Imaginei.
Alex: Você também já pensou em morrer?
Pat: Várias vezes, mas sou covarde. Jamais teria coragem de
me matar.
Alex: Precisava ultrapassar o limite.
Pat: Sei como é. Teoricamente.
Alex: Se você não morreu, como é que estamos conversando?
Pat: I talk to dead people.
Alex: Pelo jeito, você gosta de cinema.
Pat: Muito. Sabia que foi o Eddie Vedder quem fez a trilha
do seu filme?
Alex: Do Pearl Jam?
Pat (balançando a cabeça afirmativamente): Ficou incrível. Quer
ouvir?
Alex: Claro!
Pat levanta e coloca o álbum para tocar.
Alex: Que aparelho é esse?
Pat: Ipod.
Alex: Fantástico!
Pat: A sua história está influenciando milhares de pessoas.
Alex: Estranho ficar famoso depois de morto, mas, fascinante
também.
Pat: Muitos homens iniciaram uma nova era na sua vida a
partir de um filme.
Alex: Ei, essa frase é do Thoreau!
Pat: É. (risos).
Alex: Só que ele disse: “a partir da leitura de um livro”.
Pat: Foi.
Alex: Life is a box of chocolates...
Pat: Agora você descambou para a banalidade.
Alex: Calma, só queria lhe impressionar. Cadê a sua compaixão?
Pat: Mandei para o Alasca. Desde quando morto se vitimiza?
Alex: Deve ser carência. Fiquei muito tempo completamente sozinho.
Pat: Percebi quando você escreveu “ happiness only real when
shared”. Correu o mundo, aliás.
Alex: Ficou para a posteridade?
Pat: Se bobear, mais do que os aforismos do Thoreau.
Alex: Conte mais.
Pat: Humm. Não sei. Ah! A atriz que fez a sua namorada ficou
bem famosa. Depois, ela foi protagonista num filme de vampiros e causou o maior
escândalo na vida real traindo o namorado.
Alex: Não namorei com ninguém.
Pat: Hollywood é fogo! Tem sempre que meter uma história de
amor no meio.
Alex: A sociedade se repete.
Pat (suspirando): Se até os dinossauros tinham suas convenções,
quem somos nós para querer fazer diferente?
Alex: Defina fazer diferente.
Pat: OK, a minha frase foi idiota. Acho que estou ficando
com sono.
Alex: Você me chama até aqui e depois de quinze minutos de
papo já quer dormir?
Pat: Pensei que na eternidade não houvesse nem tempo e nem
espaço.
Alex: Só o infindável retorno.
Pat: Nem na eternidade somos livres?
Alex: Não.
Pat: Me deu insônia só de pensar nisso.
Alex: Lamento chatear você com esse tipo de questão.
Pat: Quer dizer que nem quando morremos, somos livres?
Alex: Espero que você já esteja preparada para conhecer “a”
verdade: não morremos nunca. Se morrêssemos, não estaria conversando com você
agora.
Pat: Tô confusa. Você disse com todas as letras que estava
morto.
Alex: Segui a
sua linha de raciocínio para não lhe assustar logo de início. O fato é que estou
morto em uma dimensão. Mas vivo, em outra.
Pat: Depois dessa, preciso tomar um Lexotan.
Alex: Sorte sua. No lugar em que estou, as pessoas não podem
ingerir tranqüilizantes. São invariavelmente forçadas a aceitar o equilíbrio
dinâmico da natureza.
Pat: Você foi para o inferno?
Alex: Essa divisão entre céu e inferno é uma ficção.
Pat: Aonde você quer chegar com essa conversa ambivalente?
Ou unificadora, sei lá...
Alex: Foi você quem me chamou.
Pat: Só para desabafar. Jamais imaginei que você transformaria
o meu mau humor num diálogo existencial.
Alex: Sempre busquei a verdade.
Pat: Às 3 da manha?
Alex: Principalmente.
Pat: Você embaralhou a minha mente. Vamos começar do início:
você era totalmente natureba e agora defende medicamentos químicos?
Alex: As pessoas mudam. Às vezes.
Pat: Você mudou para pior, foi isso?
Alex: Se você tivesse se isolado no meio do nada como eu me
isolei, compreenderia verdades profundas, por um lado, mas, por outro, ficaria
mais flexível com as mentiras sociais.
Pat (olhando para o alto): Deus, você realmente escreve
certo por linhas tortas. (volta a olhar para Alex) Se você continuasse vivo, Into
the Wild 2 seria um fracasso. Não quero nem imaginar você voltando da sua emblemática
viagem e se entupindo de remédio. Quem sabe até, virando um consumista
tecnológico compulsivo, indo trabalhar
de terno Armani no agressivo mundo corporativo ou assumindo a postura de um empreendedor hardcore.
Natureza, então, só algumas samambaias em seu apartamento numa megalópole bem
poluída. Será que seus fãs agüentariam tamanha flexibilidade?
Alex: Veja bem, não disse que tomaria remédio. Disse que me tornei mais tolerante com a sociedade. Fiquei aleijado, passei fome e frio. A
partir daí, compreendi a importância de se possuir uma certa estrutura
material. Foi um movimento pendular.
Pat: Vou pendular até a cozinha e pegar um sorvete.
Alex (em voz alta): Interessante. As mulheres continuam com
o mesmo padrão de comportamento.
Pat (gritando da cozinha): Qual?
Alex: Distorcendo o que os homens dizem.
Pat (gritando da cozinha): Você gosta de sorvete de
chocolate?
Alex (em voz alta): Não, obrigada. Estou sem fome.
Pat (voltando): Feliz em saber que você ficou mais tolerante
também com as mulheres.
Alex: Considero insensível de sua parte não respeitar a minha
mudança.
Pat: Desculpe. Você era um modelo para mim. Uma inspiração.
Alex: Só porque estou mais condescendente com o mundo,
deixei de ser?
Pat: Vou ter que me acostumar com um Alex menos
cinematográfico, só isso. Meu estoque de perguntas acabou. Sua vez.
Alex: Não tenho dúvidas. Só curiosidades.
Pat: Comentaram comigo que você era louco. Agora percebo.
Alex: Porque sou curioso?
Pat: Não. Porque você não tem dúvidas. Pode alguém nao ter
dúvidas?
Alex: As que transcendem.
Pat: Tá parecendo papo de guia espiritual. Era essa a sua
intenção quando você queimou a sua carteira de identidade? Virar um guru?
Alex: Já que você insiste em colocar um rótulo em mim,
prefiro que continue me chamando de louco.
Pat (reflete em voz alta): Muito bacana. Estou conversando
com o Alex Supertramp, que, na verdade, não morreu. Ou melhor, morreu, mas continua
vivinho da silva em uma dimensão qualquer no beleléu. Ele me confidenciou que
não bate bem da cabeça e que se tivesse sobrevivido se encaixaria feliz na
sociedade. (virando para o Alex): Quando eu contar isso para os meus amigos,
adivinha o que eles vão achar de mim?
Alex: O que já acham.
Pat: Que eu sou louca.
Alex: Não, que você é exagerada.
Os dois riem.
Pat: Sabia que temos quase a mesma idade. Ou melhor,
tínhamos, já que fantasma não faz aniversário. Ou faz?
Alex: Você mesma afirmou que no plano perpétuo não existe
quinze minutos. A imortalidade é, obviamente, atemporal.
Pat (bocejando): Entendo, quer dizer, acho que estou
começando a entender, mesmo que talvez não acredite. Bem, mas como aqui o tempo existe, tá na hora de você
ir para casa.
Alex: Não tenho mais casa. Lembra?
Pat: É mesmo. Que tal ir visitar o Sean Penn? Ele vai adorar
conhecer você pessoalmente.
Alex: Por que o Sean Penn?
Pat: Foi ele quem dirigiu o filme.
Alex: O Sean Penn?
Pat: Anrã. Vou tomar um banho e dormir.
Alex: Já? Nada é tão útil ao homem como a resolução de não
ter pressa.
Pat: Ei, essa frase é do Thoreau!
Alex: É. (risos). Mais sorvete?
Pat : zzzzzzzzzzzzz
4 comments:
Muito bom! Adorei. Saudade de te visitar por aqui. Agora Vou comer um chocolate. Bjo!
Que bom te ver por aqui :)
Hahaha!
conversas madrugada adentro... muito bom.
...são as melhores. Beijo!
Post a Comment