Thursday, May 27, 2010

Palavras habitadas

As minhas palavras andam desabitadas. Falo por falar. Mando beijos e abraços que nem sequer sinto. Quase que falsos, de tão ocos. Pergunto "Como vai?", mas nem ouço a resposta. Tudo exclusivamente para seguir o protocolo. Esta semana, em um exercício na aula de teatro, percebi fortemente o meu condicionamento. O exercício? Bastante simples: a minha parceira de improviso tinha no colo uma bexiga azul que representava o seu último sonho. O derradeiro depois de terem lhe tirado todos os demais. Sendo assim, ela cuidava e protegia o balão com muito carinho. O que eu precisava fazer? Furar a bola de soprar e destruir o último sonho que lhe restou na vida. Confesso que, para mim, tirar o sonho de suas mãos e pipocar o balão foi relativamente tranqüilo. Fui lá e paf! De fato, foi mecânico. Diria até que insensível de minha parte. Melhor: pragmático. Era o que tinha que ser feito. Depois que cometi este ato, provavelmente egoísta e injusto, o diretor falou: "agora peça perdão. Porém, esqueça o seu condicionamento. Somente peça perdão quando este sentimento estiver dentro de você. Quando realmente for verdadeiro". Bem, os minutos passavam e eu não tinha a mínima vontade de pedir desculpas. Eu simplesmente olhava para ela e julgava: "por que devo pedir perdão a uma pessoa que me entregou seu sonho de bandeja? Ela praticamente deixou que eu matasse o sonho dela. Ela deveria ter lutado contra - analisava eu. Deveria ter feito de tudo para preservar o que ela queria. Se eu estivesse no lugar dela, teria gritado, esperneado, sei lá. Feito alguma coisa. Qualquer coisa. Reagido. Sim, definitivamente reagido. Sendo assim, eu não vou pedir perdão pelo que fiz. Eu não sinto remorso algum. Culpa alguma". Vários minutos se foram e a gente se olhando. Fixamente. Minutos entravam e saiam e eu ficava ali, analisando o comportamento que ela teve. O tempo corria e eu presa no meu julgamento. Nos meus pensamentos. Sem sentimento. Até que, de repente, eu olhei bem dentro dos olhos dela e vi. Finalmente enxerguei o quanto aquele sonho era importante para ela, o quanto tinha um significado, que eu desconhecia. E não importava mais como ela tinha reagido. Não importava como eu teria reagido. Porque o outro reage como o outro. E eu reajo como eu. E a única coisa que realmente tem valor é o sentimento. E quando finalmente senti o sentimento dela, os meus olhos se encheram de lágrimas. Aí eu disse: perdão. E o diretor falou: "corta!".  Mas ignoramos o comando e continuamos ali paradas. Possuídas. Sem conseguir sair do lugar. Silenciosamente imersas na força de palavras habitadas. Tomadas pelo preenchimento de sinônimos convergentes: sentimento e verdade.

1 comment:

Alexandre Lucas said...

Pausas são necessárias!