Quando comecei a namorar com você, tinha certeza de que não daria
conta de tanta imprevisibilidade. A cada dia, você aparecia com uma novidade, um
curso novo, uma amizade diferente. Nunca sabia o que esperar de você e como
você reagiria às coisas que eu fazia ou falava. Vivia pisando em ovos. Tinha
uma sensação de que lhe agradar era uma tarefa das mais complicadas. As minhas
sucessivas tentativas para lhe impressionar sempre davam errado. Você não era nada impressionável. Tinha esse jeito blasé de que tudo era óbvio e banal.
Aí, um dia, você comentou que gostava dos Beatles. E no dia
seguinte, de novo e mais uma vez. Pensei comigo: pronto! Finalmente um
interesse mais estável. E isso me parecia a coisa mais constante que havia em
você. Mesmo que muita gente achasse os Beatles démodé e mesmo que eu próprio
nem gostasse tanto assim deles, era um alívio saber que você curtia a banda e que não
mudava de opinião.
Sendo assim,
pensei em como utilizar esta chance a meu favor. Gravar uma fita
cassete? Eu já lhe conhecia o bastante para saber que você iria torcer o nariz.
Ir assistir ao cover dos Beatles lá em Itapuã? Você iria odiar. Você detestava
qualquer coisa que não fosse original. Pelo menos isso, eu já havia captado. Então
me veio a seguinte idéia: vou aprender a tocar Hey Jude no violão para cantar
para ela. No íntimo, uma voz me dizia que nenhum outro cara havia feito isso antes. Eu
finalmente iria lhe surpreender.
Decidido a retomar as aulas de violão, liguei para Paulo, um
antigo professor. Na primeira aula, já falei que queria aprender Hey Jude, a
sua música favorita. Ele retrucou, alegando que deveríamos pegar uma
canção mais fácil, “Lua, Lua, Lua” do Caetano, talvez. Eu contei o meu plano
para ele. Revelei que queria lhe impressionar. Ele compreendeu perfeitamente e
me incentivou. Qualquer um teria me entendido.
Três semanas depois, eu já me achava em condição de tocar
Beatles publicamente. Assim, eu me enchi de coragem, chamei você lá em casa e imprimi
a letra da música como recordação. Estava ansioso, mas convicto de
que desta vez iria lhe conquistar definitivamente.
No dia D, lá no meu quarto, senti como se estivesse no
palco. Nem Paul McCartney teria cantado com tanta vontade e emoção. No último
acorde, esperei um beijo, um aplauso, uma lágrima. Você, porém, ficou em
silêncio. Imaginei que estava impactada demais para se manifestar. Comigo sempre
acontecia uma coisa deste tipo: quando algo me tocava profundamente, ficava catatônico.
Eu me coloquei no seu lugar. Feliz por ter deixado você tão comovida, resolvi lhe levar para a sua casa.
Estava convicto de que não deveria estragar um momento mágico com palavras
levianas.
No dia plabejado, esperei que você me ligasse. Entretanto, para
a minha surpresa, você não se pronunciou. Por mais que tentasse me conter, não
agüentei, lhe telefonei, mesmo ciente de que iria interromper um silêncio sagrado.
Peguei o telefone com um sorriso no rosto e pronunciei a primeira frase com um
carinho quase que abstrato: “oi!”. Do outro lado, a sua voz metálica repetia: “acho
melhor a gente dar um tempo”. Até hoje me pergunto porque você acabou comigo.
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