Sunday, May 20, 2012

Você tentou...


Quando comecei a namorar com você, tinha certeza de que não daria conta de tanta imprevisibilidade. A cada dia, você aparecia com uma novidade, um curso novo, uma amizade diferente. Nunca sabia o que esperar de você e como você reagiria às coisas que eu fazia ou falava. Vivia pisando em ovos. Tinha uma sensação de que lhe agradar era uma tarefa das mais complicadas. As minhas sucessivas tentativas para lhe impressionar sempre davam errado. Você não era nada impressionável. Tinha esse jeito blasé de que tudo era óbvio e banal.

Aí, um dia, você comentou que gostava dos Beatles. E no dia seguinte, de novo e mais uma vez. Pensei comigo: pronto! Finalmente um interesse mais estável. E isso me parecia a coisa mais constante que havia em você. Mesmo que muita gente achasse os Beatles démodé e mesmo que eu próprio nem gostasse tanto assim deles, era um alívio saber que você curtia a banda e que não mudava de opinião.

Sendo assim,  pensei em como utilizar esta chance a meu favor. Gravar uma fita cassete? Eu já lhe conhecia o bastante para saber que você iria torcer o nariz. Ir assistir ao cover dos Beatles lá em Itapuã? Você iria odiar. Você detestava qualquer coisa que não fosse original. Pelo menos isso, eu já havia captado. Então me veio a seguinte idéia: vou aprender a tocar Hey Jude no violão para cantar para ela. No íntimo, uma voz me dizia que nenhum outro cara havia feito isso antes. Eu finalmente iria lhe surpreender.

Decidido a retomar as aulas de violão, liguei para Paulo, um antigo professor. Na primeira aula, já falei que queria aprender Hey Jude, a sua música favorita. Ele retrucou, alegando que deveríamos pegar uma canção mais fácil, “Lua, Lua, Lua” do Caetano, talvez. Eu contei o meu plano para ele. Revelei que queria lhe impressionar. Ele compreendeu perfeitamente e me incentivou. Qualquer um teria me entendido.

Três semanas depois, eu já me achava em condição de tocar Beatles publicamente. Assim, eu me enchi de coragem, chamei você lá em casa e imprimi a letra da música como recordação. Estava ansioso, mas convicto de que desta vez iria lhe conquistar definitivamente.

No dia D, lá no meu quarto, senti como se estivesse no palco. Nem Paul McCartney teria cantado com tanta vontade e emoção. No último acorde, esperei um beijo, um aplauso, uma lágrima. Você, porém, ficou em silêncio. Imaginei que estava impactada demais para se manifestar. Comigo sempre acontecia uma coisa deste tipo: quando algo me tocava profundamente, ficava catatônico. Eu me coloquei no seu lugar. Feliz por ter deixado você tão comovida,  resolvi lhe levar para a sua casa. Estava convicto de que não deveria estragar um momento mágico com palavras levianas.

No dia plabejado, esperei que você me ligasse. Entretanto, para a minha surpresa, você não se pronunciou. Por mais que tentasse me conter, não agüentei, lhe telefonei, mesmo ciente de que iria interromper um silêncio sagrado. Peguei o telefone com um sorriso no rosto e pronunciei a primeira frase com um carinho quase que abstrato: “oi!”. Do outro lado, a sua voz metálica repetia: “acho melhor a gente dar um tempo”. Até hoje me pergunto porque você acabou comigo.


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