Monday, May 14, 2012

Ainda sobre a minha morte


Eu até queria lhe contar os detalhes da minha morte, mas acho que não tem muito mais a ser dito. Foi relativamente simples. Quando cheguei lá no portão, ele me disse: “depois de passar pelos portais, você se suicidou”. Fiquei atônita. Ele continuou: “como você demorou!”. Já que eu não me manifestei, repetiu: “demorou”. Mesmo morta, fiquei indignada. Até aqui estão me julgando. Inacreditável. Mas ele me abraçou e me acolheu. Quem é ele? Um dos guardiões daquela dimensão. Acho. Apontou para o gondoleiro. Vi que era você. Não concatenei. Como assim? Você estava lá no mundo inferior comigo? Que loucura! Você entrou na mais escura das noites só para me resgatar. Que coragem! Disseram que não teria saído sem a sua ajuda, teria vagado indefinidamente. Porém confesso que não fiquei feliz em lhe ver. Nem triste. Estava perplexa. Você tinha um barco e cantava. Que situação inusitada. No outro dia, pedi para que providenciassem uma mortalha. Branca, se possível. Lembrei de Antígona e me enrolei no pano. Tinha essa urgência de ser sepultada. No terceiro dia, a minha alma voava livre. Em meu corpo, corria um rio. O que vai acontecer com você? Não sei. Nada foi dito. Pelo que entendi, você vai passar um tempo aí. Aí onde? No profundo e escuro inconsciente. No espaço enigmático onde só a lua ousa entrar.

2 comments:

José Humberto Ribeiro said...

Muito lindo!!! Consegui ver com total clareza essa cena. Não sei, mas acho que muita gente já teve sonho assim. Abraços

untitled said...

SIm! Faz parte do inconsciente coletivo :)