Wednesday, March 20, 2013

Ponto para Exu





“Coitada da mulher que cai
No canto de Exu
Sonhadora!
Coitada da mulher que vai
Atrás de mandinga de amor.”

Nestes últimos anos, ninguém buliu tanto comigo quanto Exu. E olha que baixou foi coisa aqui no meu congá. Deu Ogum, Oxossi, Xangô. Mas que nem Exu, ah nega, que nem Exu não tem.  Pelejei noites a fio com o sabido e ainda não sei se foi por uma causa nobre ou vã. Deus há um dia de me revelar. Mas fato é que perdi as contas de quantas vezes esse provocador me tirou do sério. Sombra minha, espelho meu, inconsciente de todos nós. Exu, sai daí danado! Claro, Exu nunca saiu. Por obra do destino, ou por desatino meu, continuou me mostrando os embaraços no que em mim se pode chamar de estranheza humana.

Felizmente sempre tive cabeça boa e forte para as intempéries desta sociedade desgovernada. Mesmo assim, não foi suficiente para teimar contra Exu. Verdade seja dita: irremediável foi o dia em que nos cruzamos. As más línguas martelam que ele é o diabo em forma de gente, mas isso é coisa de quem não alcança as sutilezas entre o céu e a terra. O rei das contradições é um conhecedor nato do mistério que insistimos em maltratar e até esconder. A sua força é vigorosa e, se for rejeitado, acredite, retorna só para se vingar.

Perdi muitas noites bolando planos infalíveis que me protegessem dos seus poderes sobrenaturais. Valei-me, nosso Senhor! Livrai-me de Exu! Acendi vela, orei para os santos de todas as religiões. Que nada! No outro dia, Exu me mandava torpedo, futucava no meu blog, prometia união eterna. E o pecado voltava a percorrer o meu corpo. Esquecia de todas as suas peraltices e me rendia ao paladar doce de sua palavra.

Apesar da nossa convivência tumultuada, preciso confessar: em todos esses anos, o que teria sido de mim sem Exu? Um psicólogo das almas, um intelectual do povo, um ativista revolucionário. E para quem pensa que ele só se ocupa do profano, redondamente se engana. Exu é um profundo entendedor das letras e fez questão de se  doutorar na PUC, que é universidade com verve gauche.

Uma amiga de longa data me confidenciou: "Pomba-gira, Exu ama você". Não acreditei. Exu é festeiro e não se prende a ninguém. E se comigo se encantou, pior para a minha pessoa, pois quanto mais ele ama, mais faz o outro sofrer. Duvida? Eu tenho provas.

Certa feita, chamei Exu para jantar aqui em casa. Ele trouxe flores, vinho, juras de amor. Êta dia feliz! Fiz uma comida daquelas e ele se fartou:  fricassé de soja, batatas gratinadas, salada. Sim, pasme, Exu é vegetariano e aprecia cozinha refinada. No outro dia, entretanto, não se fez de rogado. Desapareceu sem deixar pista e nem rastro. Meses depois, voltou sorrateiro, alegando uma viagem súbita a terras sábias e desconhecidas. Fora estudar segredos com Don Juan e Castaneda.  Colocou inveja e saudade nos que ficaram. Em mim, que dele se faltou.

Sobre seus movimentos, há sempre muitas histórias, pois se tem uma coisa que Exu gosta é de circular no mundo, ir sem prenúncio e voltar sem aviso. Até no Japão, o irrequieto já morou! Alguns contam que se deu bem com a religião oriental, amancebando candomblé com budismo.  Já se viu tamanha artimanha? É que ele dá nó em pingo d’água, juntando o que ninguém junta, mesmo que separe depois.

De volta ao Brasil e aos estudos acadêmicos, se engraçou com a cabocla Jurema. Aí o caldo engrossou. Lembro bem da divina. Andava nua e altiva, sem nada para esconder. Mulher de espírito livre, centrada, pisava firme e macio no chão de um jeito que, mesmo o cimento, parecia terra batida. Exu gastou foi latim com a moça, mas não tinha discurso de direita ou de esquerda que pudesse catequizar a danada. 

Na época, tive ciúmes da índia, por se manter no eixo e resistir de forma valente ao sacolejo de Exu. Porém, reconheço humildemente que nasci na Bahia, com defeitos inalienáveis de fabricação. Um bom molejo sempre me pegou de jeito e a magia certeira comumente me atingiu.

Ouvi relato de fonte segura, que Exu mandou enterrar a minha calcinha na praia de Itapuã. Já fiz busca minuciosa na areia, promessa para Iemanjá, mas nada dessa bendita aparecer. Foi trabalho de caso pensado, feito com astúcia ao entardecer e sob a orientação do Pai Pablo, um baiano-argentino, que realiza ajuntamentos espirituais tão emaranhados que nem ebó desamarra.

Depois de anos labutando com Exu, acendendo incenso de fedegoso, tomando banhos fortes de descarrego e orando para oxalá, aceitei que é impossível estabelecer regras de sacudimento com esse homem. Exu gosta mesmo é de operar na imprevisibilidade.

Ah, mas um colo, um dengo, um cafuné, isso sim funciona bem. Só mesmo esse tipo de mandinga para suavizar o Mestre da Transformação. Contudo não pensem que aprendi esse feitiço sozinha. Essa sabedoria me foi ensinada pela Dona Maria Quitéria, uma senhora velha e digna, que me viu rezando aflita na Igreja do Bonfim e prontamente me aconselhou: paciência, minha filha. Muita paciência com Exu.


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