Sunday, January 19, 2014

O Diabo e eu


Pat: Queria bater um papo com você.
Deus: Estou lhe ouvindo.
Pat: Estava pensando em subir para a superfície, levando o Diabo comigo.
Deus: Ou sobe sozinha ou fica aí embaixo com ele.
Pat: Por quê??? 
Deus: Você já sabe porquê.
Pat: Ele jurou que está preparado.
Deus: E você acreditou?
Pat: Quero dar um crédito a ele.
Deus: Nem pensar.
Pat: Parece Síndrome de Estocolmo, mas depois de 4 anos no mundo subterrâneo, não posso largá-lo assim, ao que você dará.
Deus: Pode sim. Logo, logo ele vai achar uma nova companhia.
Pat: Quero que ele suba comigo.
Deus: Estou começando a desconfiar que você vai ter que ficar mais tempo enfurnada no subsolo.
Pat: Isso não!!!
Deus: Então suba já e pare com essa conversa fiada.
Pat: Você desaprendeu a acreditar na metamorfose?
Deus: Eu tenho discernimento, coisa que você deveria ter internalizado depois da sua longa estadia no inferno.
Pat: Eu tenho compaixão.
Deus: Se você tem compaixão, deixe-o aí.
Pat: As pessoas se transformam com os erros, viram adultas.
Deus: Ainda não é o caso dele.
Pat: Sem ele, eu não teria conseguido ver a minha sombra.
Deus: Exatamente. Ele cumpriu o papel que lhe foi destinado.
Pat: É injusto. Ele merece sair da escuridão.
Deus: Você não leu o Livro Vermelho do Jung?
Pat: Li.
Deus: E então?
Pat: O Jung é o Jung. E eu, sou eu. Quero levar o Diabo comigo.
Deus: Estou perdendo a paciência. Ou você sobe sozinha ou vou lhe largar de novo no mundo inferior. 
Pat: Tá, tá... mas, e se ele colar em mim e vier no vácuo?
Deus: 10, 9, 8...
Pat: Péra, eu vou. Mas deixa eu me despedir dele?
Deus: 5 minutos.
...
Pat: Eu tentei, mas não teve jeito. Você vai permanecer aqui.
Diabo: Você falou para ele que já comi muito pão amassado e que me tornei apto para deixar o breu?
Pat: Falei.
Diabo: E ele?
Pat: Lamento, vou ter que subir sem você.
Diabo: Estou condenado para o resto da minha vida. Jamais serei feliz. Simples assim: Deus não quer. 
Pat: Vitimização não ajuda em nada.
Diabo: Vitimização? A única pessoa que me aceita como eu sou está indo embora...
Pat: Meu lindo, adoraria continuar esse nosso diálogo, mas, infelizmente, tenho que ser rápida. Antes de sair quero e preciso lhe dizer o que estou sentindo: eu te amo. Amo de verdade. A nossa convivência me transformou e sou profundamente grata a você. Sei que lhe confundi bastante com a minha insegurança e meus surtos infantis, mas é que eu me pelava de medo de você. Medo que você me usasse, me enganasse, me manipulasse, me traísse, me rejeitasse, me humilhasse, me abandonasse. Sei lá, medo de muita coisa, medo de não saber como lidar com você. Só quando finalmente consegui dar risada das suas peraltices, foi que percebi o quanto você é especial. Vi que a sua rebeldia é igual a minha, é a exaustão de estar num mundo onde as pessoas insistem  em nos tornar limpinhos e aceitáveis. Saiba que eu confio plenamente em você, porque mesmo que as nossas artimanhas  e mentiras sejam distintas, você deseja o mesmo que eu: ser livre e ser amado pelo que você é. 
Diabo: Desde aquele dia em que você não me julgou pelos meus erros, eu te amei. Depois disso você me criticou algumas vezes, o que foi chato, mas inócuo... eu já te amava. 
Pat: Nunca alcancei que você tinha amor por mim.
Diabo: ...
Pat: Vivia focada em me defender das suas diabruras. Ok, essa é a explicação superficial. A lá do fundo é que eu desejava tanto que você gostasse de mim da minha maneira que nem compreendia que você possuía o seu jeito próprio de amar.
Diabo: Me dá um abraço?
Pat: Vim aqui por isso.
Diabo: Por favor, não se esqueça de mim.
Pat: Impossível. Deus disse que você vai colocar outra pessoa no meu lugar...
Diabo: Provável.
Pat: Entendo. É difícil ficar só. Bem, vou nessa.
Diabo: Posso fazer um pedido?
Pat: Fala.
Diabo: Me dá mais um abraço?
Pat: Somente se você me der outro de volta...

....

Pat: Difícil me separar dele. Deus, você acredita em almas gêmeas?
Deus: Era só o que me faltava. Durante 4 anos, você me implorou dia e noite para lhe tirar daí, agora que está liberada, mudou de idéia?
Pat: Naoooooo, você me livre! 
Deus: Então, deixe de lenga-lenga e venha logo.
Pat: O problema não é ele, é o lugar.
Deus: Esta teimosia só dificulta a sua volta.
Pat: Bem que o Campbell comentou que na hora "h" tem gente que recusa retornar. Nunca imaginei que seria uma delas.
Deus: Pare de filosofar que isso lhe confunde. 
Pat: É que o Diabo não é feio como pintam. É apenas um pobre coitado como eu.
Deus: Patrícia, vou refrescar a sua memória: você vai sair porque aprendeu a ver com o coração, sem ignorar os dados de realidade. Sabemos que você o ama além dos supostos defeitos dele ou justamente por causa de suas propaladas imperfeições. Muito bem. Entretanto, continuamos com o fato de que você foi liberada, ele não.
Pat: Por que não?
Deus: Isso é da conta dele.
Pat: Retornar sozinha é chato.
Deus: Pare de olhar pra trás. Lá na frente tem gente lhe esperando.
Pat: Promete?
Deus: Pensei que você tivesse aprendido a confiar em mim.
Pat: Pode abrir a porta. Tô pronta.
Deus: Lembre-se: cuide da sua vida e deixe que os outros vivam as deles. Cada um tem que passar pelo seu próprio juízo final.
Pat: Pode deixar. 
Deus: Vou abrir. Mesmo que a luz seja intensa, não coloque óculos escuros. Combinado?
Pat: Combinado.
Deus: Boa sorte. A sua história começa agora.



1 comment:

arosaquefala said...

evoé, pat, evoé!