Sunday, August 10, 2014

Dia dos Pais


Quando eu era criança, uns 10 anos mais ou menos, tinha certeza que as orelhas do meu avô Pedro, pai do meu pai, aumentavam de tamanho a cada vez que eu o encontrava. Sem mentira nenhuma, eu acreditava piamente nisso porque as orelhas do meu avô não eram só imensas, elas eram cada vez maiores.

Acho que em qualquer pessoa orelhas gigantes ficam feias. Em meu avô era um charme. Uma marca própria. Ele definitivamente não seria ele sem aquelas orelhas que cresciam sem parar.

Talvez as orelhas avantajadas se expliquem pelo fato do meu avô ter sido músico. A bem da verdade, é preciso dizer que ele também tinha uma padaria, uma fazenda e outros negócios, mas o que todo mundo, inclusive eu, lembrava de primeira era que ele era um músico talentoso e tocava vários instrumentos - de ouvido, claro!

Quando completei 3 anos, ele me deu um violino e um livro de partituras, acreditando que eu iria aprender a tocar o instrumento da mesma forma que ele: por conta própria. Sim, ele era um auto-didata e tinha muito orgulho disso.

Ao contrário do meu avô Pedro, que morreu com 95 anos, as minhas orelhas possuem um tamanho aparentemente normal e, pelo que me consta, o crescimento delas não é perceptível nem para mim e nem para os outros. Quem sabe, por essa razão, eu nunca tenha aprendido a tocar nenhum instrumento. E por algum outro motivo, que não sei explicar, nunca tenha tentado.

Além de músico, ter uma padaria e uma fazenda, o meu avô também era poeta. Quando nos visitava em Salvador, sempre levava para mim vários poemas que havia escrito em papeizinhos soltos com a sua letra tremida. Mesmo com mal de Parkinson, fazia questão de escrever de próprio punho os seus versos. Sentávamos na varanda lá de casa e pedia para que eu lesse em voz alta os poemas que havia escrito e que, eventualmente, seriam musicados.

Voltando ao violino, até hoje é um mistério familiar porque o meu avô Pirocas, apelido pelo qual era conhecido, entre tantos netos, elegeu a mim para receber essa relíquia de família. Sempre me achei especial por isso. No meu imaginário infantil, eu era a escolhida.

Certa vez, perguntei aos meus pais e eles me responderam: ele gostava muito de você. Resposta besta, conclui. Suficiente para que eu, já adulta, começasse a fantasiar que a escolha dele representava uma façanha invisível do destino com um significado extraordinário, como um enigma a ser descoberto.

Pode demorar, mas ainda vou encontrar com o meu avô, que morreu quando eu tinha 15 anos e perguntar pra ele: vô, por que eu? Será que, quando eu nasci, você olhou para as minhas orelhas e acreditou que, um dia, elas também seriam tão imensas como as suas?
  

No comments: